Viagens Filosóficas — 2020
Fonte: Márcio Magalhães
Évora — o Sagrado e o Profano VI
Conlusão
Cromeleque dos Almendres
A nossa viagem filosófica de 2020 terminou com uma visita ao cromeleque de Almendres, situado a cerca de 12 quilómetros de Évora, numa encosta virada a nascente da serra de Montemuro (38º 33’ N; 08º 03’ W) (1). Este local tem uma elevação de cerca de 200 metros sobre a planície de Évora.
O cromeleque de Almendres é constituído por um conjunto de menires de rocha granítica. Não tem forma geométrica regular: pode dizer-se que a sua planta é ovalada, ou em forma de ferradura (60x30m) (2).
Fonte: João Resina
Deste recinto megalítico é o mais importante da Península Ibérica e é muito mais antigo do que o famoso recinto britânico de Stonehenge (cerca de 2500 a.C.), situado próximo de Salisbúria, não muito longe da estrada de Londres a Bristol. cuja celebridade se deve a numerosas e fantásticas narrativas. As escavações realizadas na área de implantação do recinto megalítico de Almendres permitiram identificar três fases distintas na construção que ocorreram em diferentes cronologias no período Neolítico (3). A primeira, por volta de 6000 a. C., corresponde ao círculo inicial, que é o mais pequeno. É também o mais fácil de identificar por ser composto pelos primeiros menires que encontramos ao chegar ao complexo.
Na segunda fase de construção, que deve ter ocorrido por volta de 5000 a. C., ergueu-se o segundo e o maior círculo de pedras. Tem forma de uma elipse mais pronunciada do que o primeiro círculo, que é mais arredondado;
A terceira fase decorreu há cerca de 4000 a. C.. Corresponde à manutenção do segundo círculo elíptico e à correcção de alguma negligência na construção do primeiro, levando a que este último se tivesse tornado menos pronunciado na sua forma arredondada.
O cromeleque apresenta-se-nos, por isso, com uma imponente imagem de 95 menires de granito reunidos em comunhão, como se empunhassem orgulhosamente o peso do passado de pé.
Este conjunto está situado numa latitude muito próxima do valor máximo da elongação da Lua no seu ciclo de 18,61 anos, podendo assinalar o nascer e o pôr-do-sol durante os solstícios e os equinócios e outros fenómenos.
Os menires do recinto megalítico de Almendres dispõem-se junto ao topo de uma encosta virada a Nascente (onde o céu e a terra de unem). Facilmente se observa que os monólitos diminuem de envergadura à medida que o terreno desce para nascente.
Faseamento cronológico do recinto segundo M. Varela Gomes
Fonte: Pedro Alvim (2021)
Diversas investigações e escavações permitiram identificar que quatro menires, alguns desaparecidos, mas cuja estruturas de sustentação (alvéolos) permanecem, orientavam o monumento segundo as direcções equinociais ou dos pontos cardeais (Leste-Oeste). Tal facto torna este conjunto megalítico apto para determinar, com precisão, o trânsito equinocial do Sol. De facto, depois de cada equinócio decorrem 91 dias até ao solstício e, novamente, 91 dias até novo equinócio. Fazendo corresponder cada monólito a um dia, o monumento seria percorrido duas vezes entre duas passagens equinociais, perfazendo o total de 182 dias. Nos anos bissextos ocorreriam dois períodos de 183 dias, circunstância que requeria alguns monólitos adicionais (91 para os actuais 93). No cálculo de tais fenómenos eram usados menires que serviam de marcadores, ou pontos de referência naturais situados a grande distância (4).
Parece evidente que a arquitectura megalítica não-funerária, como a de Almendres, embora diferente da dos túmulos megalíticos, tem a mesma intenção de realçar a posição Nascente-Poente. A persistência desta regra na orientação de todos estes monumentos indicia a existência de um importante componente simbólico associado à forma como eles eram vividos e interpretados a nível comunitário.
Por isso, para além de um propósito de observação astronómica, parece ter-lhe sido atribuído um outro, de natureza ritualística, talvez associado a cultos de fertilidade, possibilidade essa que a forma fálica dos menires parece evidenciar, associada ao alinhamento com o equinócio, separando a época de escuridão e frio do Inverno da outra em que decorriam os trabalhos agrícolas, mais ensolarada e amena. Tudo indica, por isso, que este recinto megalítico tenha funcionado como um santuário edificado intencionalmente, com funções magico-religiosa, para substituir outros associados a acidentes geomorfológicos.
De facto, na paisagem rural, o lugar em que se está inclui a atmosfera e o céu. A luminosidade, que depende da hora, da altura do ano ou da existência de nuvens, desencadeia sempre uma experiência diferente para cada momento. A expectativa é sempre contraposta à experiência actual, criando novas experiências e significados e transformando os já existentes.
A chuva ou a trovoada, por exemplo, conferem novos significados aos mesmos lugares. Um sítio particularmente atractivo num dia de sol pode tornar-se um local tenebroso em dia de chuva. Quer dizer: a percepção do lugar depende de como a informação nos chega aos sentidos em cada momento, através da atmosfera, do vento, do frio ou da chuva.
Ora, a atmosfera e, consequentemente, a paisagem, tem ciclos anuais dependentes do Sol. Manifestando-se especialmente através dos movimentos cíclicos do Sol, os solstícios têm ignificado de descontinuidades temporais, como pontos extremos de um tempo pendular. O solstício de Inverno é o baixo — o frio; o solstício de Verão é o alto — o calor (5).
O movimento da Lua no céu é como uma dança. Num mês ela percorre toda a região no alcance do seu movimento. Para além disso, os respectivos limites oscilam num ciclo de 19 anos, abrindo e fechando a amplitude máxima do seu ciclo.
O primeiro crescente é visto à esquerda perto do Sol poente; ao fim de cerca de 4 dias ela percorreu o céu até ao outro extremo e cresceu até à Lua Cheia, momento em que está em oposição ao Sol, nascendo quando aquele e põe., pondo-se quando aquele nasce. Catorze dias depois ela volta a desaparecer ao pé do Sol, pelo seu lado direito.
Os ciclos de lunação têm, por sua vez, intenso reflexo mo mundo e na vida, influenciando a águas, ciclos de vegetação, crescimento e menstruação, complementando o Sol na criação e manutenção da vida.
No presente estudo procedeu-se à sobreposição da bitola da arqueostronomia à planta do recinto, com o objectivo de avaliar a estruturação do monumento em relação às direcções do nascente e poente do Sol, nos solstícios e equinócios. Os azimutes utilizados eram correspondentes a um horizonte sem elevação, não reflectindo a diferença de nível entre a parte alta e baixa do recinto (6).
Diremos, para finalizar, que os monólitos 92 e 94 apresentam uma situação única no recinto: estão afastados cerca de 1,40m, formando uma espécie de portal, aberto para NE, em direcção ao menir isolado do Monte dos Almendres (7).
Estes dois menires, formando o portal, parecem definir uma posição de observação em relação à direcção indicado pelo monólitos 64 e 44. Um observador, situado nesse ponto, olhando para SO, verá, no entanto, apenas o menir 44, visto que o 64 fica oculto por detrás daquele.
Ariel
Notas
(1). Cromeleque: conjunto de diversos “menires” dispostos em um ou vários círculos, em elipses, em rectângulos, em semicírculo ou em estruturas ainda mais complexas como o Cromeleque dos Almendres.
Menir: também denominado “perafita”, é um monumento pré-histórico de pedra, cravado verticalmente no solo, às vezes de tamanho bem elevado. Actualmente existe uma planta do cromeleque de Almendres com a disposição cada um dos monólitos, todos numerados, possibilitando a identificação das características individuais de cada um.
(2). P. Alvim, De Nascente para Poente: Reflexões sobre a Sintaxe da Arquitectura Megalítica no Alentejo, s/d; www.chaia.uevora.pt/uploads/pdfs/ (2021).
(3). Mega=grande, litho=pedra.
(4). Manuel J. Gandra, Geomância, ou A Natureza Animada em Portugal, Mafra, 2018, p. 276-277.
(5). Pedro Alvim, lvim Recintos Megalíticos do Ocidente do Alentejo Central, Ed Colibri, 2021, p. 70.
(6). Pedro Alvim, ob. cit, 72-73. Cf. Michell, John — A Little History of Astro-Archaeology;Thames and Hudson, London, 1989.
(7). Tem cerca de 3 m de altura e está situado aproximadamente a 1 km de distância (N. da R.).