Memórias infantis e a reincarnação
Roberto, um emigrante inglês que vivia nos Estados Unidos, foi um dia abordado por uma menina desconhecida. Esta teria uns 3 anos de idade, chamou-lhe “papá” e queria acompanhá-lo. Depois da surpresa inicial, Roberto informou-se da identidade da criança e procurou esclarecer as razões daquele procedimento.
Anos antes de emigrar, Roberto vivera perto de Londres. Era casado e tinha filha de tenra idade. Razões de ordem económica empurraram-no para o Novo Mundo. O tempo correu veloz e perdeu o contacto com toda a família. Dias depois do inesperado encontro, deslocou-se, acompanhado de um clarividente, a casa dos pais da menina, a quem mostrou várias fotografias, numa das quais se via ele com a mulher e a filha. A criança identificou-o de imediato e apontou-o como sendo o seu “pai”.
Tratava-se de um caso de memória infantil de uma vida anterior. De facto, a memória e a facilidade de identificação da família anterior é um pormenor frequente nestes relatos (1).
Esta história é contada por Max Heindel, mas há no arquivo da F. R. P. diversos registos deste tipo de memórias. Destacaremos, resumidamente, um desses casos.
Ian Stevenson "O Caso Eric"
Em Agosto de 1968, uma menina de 5 anos de idade foi atropelada fatalmente num acidente de viação. Os pais ficaram, naturalmente, abalados. Anos depois nasceu outra menina. Quando esta tinha pouco mais de 3 anos, começou a referir-se ao acidente: “o outro carro também me bateu e eu fiquei toda morrida”.
Também são frequentes, nestas memórias, referências a pormenores do acidente fatal, às vezes desconcertantes pela minúcia. No caso narrado, a menina identificou até os seus antigos brinquedos predilectos, que tinham sido mantidos guardados. Os pais nunca lhe tinham falado de tão dramático acidente, nem feito qualquer referência à origem dos brinquedos.
No corpo da criança eram perfeitamente visíveis as “cicatrizes”, ou “sinais de nascença”, que correspondiam às profundas lesões físicas que a vitimaram (2).
Max Heindel explica-nos como, e por que razão, a memória da vida anterior persiste, nestes casos, na consciência de vigília(3). E também o motivo por que as lesões ocorridas no corpo físico “ficam impressas” no corpo físico na existência seguinte. Devido à persistência do corpo de desejos, onde estão guardadas as emoções e os sentimentos(4), é relativamente fácil as crianças manifestarem memórias de situações traumáticas da sua vida anterior. Além disso, o traumatismo físico, quando associado à morte, afecta naquelas idades a consciência num grau tal que pode implicar marcas no feto em desenvolvimento, as quais depois se identificam como “sinais de nascença” (5).
Em Janeiro de 1997, numa reunião com o Professor Ian Stevenson (1918-2007) analisámos diversos registos de memórias infantis do arquivo da F. R. P. (6). O Prof. Stevenson incluiu inclusive, numa das suas inúmeras obras, um caso recolhido por Francisco Marques Rodrigues (o “Caso Afonso Lopes”) que evidencia reincarnação (7).
Ian Stevenson é mundialmente considerado o “pai” da moderna investigação científica sobre a reincarnação. Com o seu grupo de trabalho, recolheu de forma minuciosa e pragmática inúmeros registos de sinais de nascença e outras evidências físicas da reincarnação. O seu trabalho levou-o sucessiva e incansavelmente a diversos países da Europa, da África e do Médio e Extremo Orientes. Levou a cabo o seu estudo apoiando-se unicamente em protocolos científicos, sem recorrer à hipnose, pela reduzida fiabilidade deste método.
O Professor Jim B. Tucker, da Faculdade de Medicina da mesma Universidade de Virgínia (Director da “Division of Perceptual Studies” a partir de 2014), deu continuidade ao trabalho de Stevenson a partir de 1996, centrando as suas investigações em crianças norte-americanas. Uma delas, um rapazinho chamado Patrick Christenson, nasceu em Março de 1991. O seu irmão mais velho, Kevin, morrera com cancro 12 anos antes, aos 2 anos de idade.
Os sinais prematuros do cancro de Kevin manifestaram-se seis meses antes do falecimento. Nessa altura, começou a coxear quando dava passos. Um dia, caiu e partiu uma perna. Fizeram-lhe diversos exames. Depois de uma biópsia ao couro cabeludo, logo acima da orelha direita, identificaram-lhe metástases. Pouco depois localizaram-se outros tumores em diversos locais do corpo, um deles no olho esquerdo. Fez diversos tratamentos de quimioterapia através de uma linha central IV para entrada dos agentes no lado direito do pescoço. Embora o corpo lhe ficasse várias vezes avermelhado e ligeiramente inchado, acabava por receber alta e regressar a casa. Foi hospitalizado cinco meses mais tarde, quase cego do olho esquerdo e febril. Foi tratado com antibióticos e teve alta, mas faleceu dois dias depois, três semanas após o segundo aniversário.
A mãe de Kevin divorciou-se antes do seu falecimento. Teve três filhos no segundo casamento e Patrick foi o terceiro. Nasceu com uma “marca de nascença” no lado direito do pescoço (no mesmo local onde fora aplicado o cateter no tratamento de Kevin), com a aparência de um pequeno corte. E o couro cabeludo por cima da orelha direita, no mesmo sítio da biópsia do tumor de Kevin, apresentava um nódulo. Também se identificou uma opacidade no olho esquerdo, diagnosticada como leucoma da córnea. Esta deficiência provocava-lhe, tal como a Kevin, fraca visão daquele olho. Quando começou a andar, coxeava, esforçando a perna esquerda.
Quando Patrick tinha 4 anos e meio começou a contar à mãe certos acontecimentos que ela relacionou de imediato com a vida de Kevin. Por várias vezes, pediu-lhe para ir à casa “amarela e castanha”. Kevin tinha morado, efectivamente, numa casa com essas características.
Certo dia, perguntou à mãe se tinha assistido à sua operação. Como ela lhe tivesse sido dito que nunca tinha sido operado, ele garantiu que sim e apontou para cima da orelha direita, onde Kevin tinha tido o nódulo. Noutra ocasião, assinalou Kevin numa fotografia antiga, entre várias outras de épocas diferentes.
A correspondência das lesões de Kevin e as marcas de nascença de Patrick foram confirmadas pelos registos médicos (8).
Note-se que, em todos estes casos, foi ponderada e excluída a possibilidade de uma explicação paranormal, ou seja, de qualquer percepção extra-sensorial como a telepatia ou a clarividência. Por outro lado, o sentido de identificação de cada uma das crianças com a personalidade da vida anterior ultrapassa a mera possibilidade de haver apenas um conhecimento paranormal.
Estes factos, como tantos outros que nos remetem para a reincarnação, conformam uma realidade certamente muito reconfortante para a maioria dos leitores. Ajudam-nos a compreender por que razão a ideia de a vida se extinguir com a destruição do corpo físico já não é popular no mundo ocidental. Com efeito, está claramente a perder terreno o conceito de que a imortalidade e a vida celeste estão limitadas àqueles que aceitam determinadas crenças religiosas (9).
E, ao mesmo tempo, como lembra Jim B. Tucker, tudo isto nos mostra como a imensa misericórdia e a sabedoria divina nos podem ser reveladas “pela boca das crianças” (Sl 8,2).
Ariel
1. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo; F. R.P., Lxª 2005, pp 137-138.
2. F. M. C.; Fotobiografia de Francisco Marques Rodrigues, 2009.
3. Max Heindel, Ob. Cit. p. 136..
4. Id., Ob. Cit. p. 48.
5. Jim B. Tucker, Life Before Life, Cap. X; St Martin’s Publishing Group, 2008.
6. O Professor Ian Stevenson foi catedrático do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia (E. U. A.). Esteve em Lisboa a convite do Instituto Francisco Marques Rodrigues, onde proferiu uma conferência no dia 8 de Janeiro de 1997 na Fundação Gulbenkian sobre As Hipóteses de Sobrevivência na Terapêutica Psiquiátrica. Carl Sagan afirmou que o trabalho de Ian Stevenson sobre as hipóteses de sobrevivência da consciência após a morte era dos poucos que merecia ser apreciado.
7. F. M. C., Francisco Marques Rodrigues — Fotobiografia, História Concisa da Fraternidade Rosacruz de Portugal, p. 221, Lisboa, 2009; Ian Stevenson, M. D.; European Cases of the Reincarnation Type, McFarland Company, Inc, Publishers, 2003.
8. Jim B. Tucker, Life Before Life; Cap. IV; St Martin’s Press, 2005. A edição em língua portuguesa é da editora “Sinais de Fogo”, Lisboa, 2007.
9. [Nota: A doutrina da reincarnação era ensinada pelos Primeiros Pais Católicos, entre eles Clemente de Alexandria (c. 150 d, C-220 d. C.) e Orígenes (185-254). O mesmo ensinou Gregório de Nissa (c.335-c.394 d. C.). A doutrina da reincarnação só foi considerada anátema no decorrer do segundo Concílio de Constantinopla em 553 d. C., e por imposição do Imperador Justiniano que o convocou à revelia do Papa. Cf. Geddes MacGregor, Reincarnation in Christianity: A New Vision of the Role of Rebirth in Christian Thought; Quest Books, 1990].