Mensagem de Reflexão para o mês de Abril

 

A disciplina é mais forte do que o número: a disciplina, isto é, a cooperação perfeita, é um atributo da civilização.

Viagem Filosófica

 

No decorrer da viagem filosófica a Alcobaça analisámos, em pormenor, as características da fachada. Mostra-nos, desde logo, que a arte, orientada com critério, pode elevar o crente até ao “esplendor da verdade” desde que o arquitecto saiba aproveitar o engenho artístico e conheça o valor da mediação das coisas para, com elas, se alcançar o transcendente. E, por esta razão, o mosteiro de Alcobaça é claramente um signo artístico-simbólico, no sentido neo-platónico, tal como foi interpretado pelo místico Pseudo-Dionísio (1) e seu comentador João Escoto Erígena.

Alcobaça Fachada da Igreja

A rosácea (2) que vemos na fachada tem simbolismo solar. Embora em contradição aparente com o gosto do estilo gótico, enquadra-se perfeitamente na simbólica do estilo adoptada pelos construtores da época. Na arquitectura gótica, a rosácea associa o simbolismo da rosa (que no rosacrucianismo evoca o Graal e a redenção), com o da roda. A roda lembra a necessidade da libertação das condições impostas pelo lugar em que se nasce e pelo estado espiritual que lhe está associado por via da lei de causa-e-efeito. É, por isso, uma referência à necessidade de evolução do espírito.

Recorde-se o simbolismo das rodas de fogo, ou aladas, que o profeta Ezequiel (Ez 10, 6-10, 13, 16-17) usa para se referir ao aprofundamento do conhecimento da revelação divina.

Os alquimistas rosacrucianos também deram à rosa particular atenção: a rosa branca associavam-na à Pequena Obra ou Pequeno Magistério, que procurava obter a “alva pedra” ou alma-diamante; e a vermelha à Grande Obra ou Grande Magistério, que permite obter a “pedra vermelha” ou alma-rubi (3).

A Rosácea

Na fachada do mosteiro deve distinguir-se ainda a porta de entrada com as suas 8 arquivoltas.


É significativo o facto de o portal de acesso ao espaço consagrado do templo — e, simultaneamente, de regresso ao mundo profano — estar decorado com oito arquivoltas. Esta dicotomia, exterior-interior, assinala o ciclo sucessivo de nascimentos no mundo físico e de regresso ao mundo do Além.

Vista Geral

(…)

Associa-se, pela mesma razão, ao símbolo do caduceu, tal como o vemos no Conceito Rosacruz do Cosmo (4).
O interior do mosteiro que tivemos a dita de visitar fornece-nos material ideal e propício para repensar o gosto estético associado à arte do gótico, que não era um gosto artístico mas ético e, por isso, dispensava muitos aspectos decorativos e sumptuários usados no passado.

A nave central mede 90 metros e tem 20 metros de altura.

O número 9, associado à letra hebraica Teth, simboliza o mundo divino e a vontade orientada pela prudência. E assinala o bem que está reservado para o mundo futuro, depois de concluído o actual ciclo evolutivo (5). É também uma alusão aos nove mistérios menores (6). O já citado Pseudo-Dionísio, monge do século IV que teve uma influência decisiva na mística cristã, ordena as hierarquias espirituais em três tríades, cada uma com três ordens.

E é também o número cabalístico de Adão (ADM), a espécie humana: (1+4+40; 1+4+4+0=9) (7).

A charola, ou deambulatório, é adornada por 9 capelas (uma delas dá acesso à sacristia)

Este algoritmo é bastante conhecido com o nome de “prova dos nove” aplicado na aritmética para verificação simples do rigor das contas.

A nave central tem 12 pares de pilares que a dividem das naves laterais.

O número 12 está naturalmente associado universo aos 12 signos do Zodíaco e, por isso, está à complexidade do universo e da sua evolução cíclica espácio-temporal.

Nave Central

(…)

O 7 é uma derivação do ternário, é um número místico que representa o homem: o septenário sagrado, representando o micro-cosmo que contém em si todos os atributos do macrocosmo (8).

O número 5 está associado ao pentágono, uma figura formada por cinco lados e cinco ângulos e ao pentagrama, que pode ter a forma pentagonal ou estrelada (dez ângulos). O pentágono nunca intervém na constituição do mundo mineral: a cristalografia conhece o quadrado, o triângulo, o hexágono, mas não o pentágono, forma que é frequente no mundo vivo. As cinco pontas do pentágono harmonizam a união fecunda do 3, o princípio masculino, com o 2, o princípio feminino, e simboliza, portanto, o ser humano. Estas duas dimensões associadas, o septenário e o pentágono, lembram o progresso espiritual do ser humano em virtude da aprendizagem adquirida em renascimentos sucessivos, como homem e mulher.

(…)

No túmulo de D. Pedro, no facial da cabeceira, há uma grande rosácea com 18 edículas (12+6=18; 1+8=9) dispostas em duas faixas circulares concêntricas (9). Há quem veja na rosácea a imagem vulgarizada da Roda da Vida (Prof. Reinaldo dos Szantos), ou da Roda da Fortuna (Prof. António de Vasconelos).

Na parte inferior da rosácea, num pequeno túmulo com estátua jacente, está a inscrição: A:E:AFIN:DO:MUDO. Tem várias leituras possíveis: Este é o Fim do Mundo (Fr. Fortunato de S. Boaventura), Até a Fim do Mundo (Manuel Vieira da Natividade), O Princípio e o Fim do Mundo (Prof. Reinaldo dos Santos), ou Aqui Espero o Fim do Mundo (Prof. António de Vasconcelos).

Túmulo de D. Pedro

Finalmente, chegámos à Sala dos Reis.

(…)

A um canto, está um enorme caldeirão. Pertenceu aos castelhanos e é um despojo da batalha de Aljubarrota (1385). Embora se costume relacionar, do ponto de vista simbólico, com o Graal, a verdade é que os cisterciences reinterpretaram a narrativa do Santo Graal e dos Cavaleiros da Távola Redonda tal como reconhece J. M. Varenne, Esvaziaram o seu conteúdo simbólico considerado pagão e, por isso, irrelevante. Adoptaram uma narrativa especulativa, isto é, desligada dos símbolos supra-religiosos do texto hermético, para expressar a sua própria concepção histórico-espiritual do universo.

Na teologia cisterciense, fundada por Bernardo de Claraval, a visão mística do Graal que é descrita no Parsifal de Wolfram de Einsenbach já não é vivenciada na sua plenitude como resultado do esforço pessoal, consciente e voluntário - do cavaleiro que venceu dúvidas e corrigiu erros para se redimir de uma vida pecaminosa: resulta de uma simples dádiva divina.

Sala dos Reis

Seguiremos agora para a Nazaré onde visitaremos a Virgem Negra no Santuário do Sítio.

 F. M. B. C.

 

  1. Pseudo Denys, Les Noms Divins. La Théologie Mystique; Edition du Cerf, 2016.
  2. Janela de forma circular que ocupa a zona central da fachada principal, formada por uma grelha de pedra.
  3. Max Heindel, Iniciação Antiga e Moderna, F. R. P.; Lxª, 1999, Cap.X.
  4. Id., Conceito Rosacruz do Cosmo, pp 314 e 326; Cf. Francisco Marques Rodrigues, O Simbolismo do Número 8, in Revista Rosacruz, nº 278, Outubro, Novembro e Dezembro de 1980.
  5. Cf. Tomar — Cidade Templária II, Revista Rosacruz  nº 423, Janeiro, Fevereiro e Março de  2017, p. 26.
  6. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo; Lxª 2005, p. 394
  7. Id., Ob. cit, pp 258, 394.
  8. Id., Ob. cit, p. 77.
  9. Edícula — Nicho onde são colocadas imagens em parede, túmulo, etc.

 

Bibliografia

Bryce, Derek ; The Mystical Way and the Arthurian Quest; Llanerch Enterprises, 1986.
Gilson, Etienne: La Théologie Mystique de Saint Bernard; J. Vrin, 2012.
Natividade, J. Vieira; O Mosteiro de Alcobaça — Notas Históricas, A Igreja, os Túmulos, o Mosteiro; Marques de Abreu, 1937.
Panofsky, Erwin, Arquitectura Gótica y Pensamento Escolástico; La Piqueta, 1986.
Pereira, Paulo, Lugares Mágicos de Portugal — Arquitecturas Sagradas; Temas e Debates, 2009.
Pimenta, Alfredo; Os Historiógrafos de Alcobaça; Livraria Clássica Editora, 1943.
Varenne, Jean-Michel; O Graal; Publ. Europa-América, 1998.

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