Mensagem de Reflexão para o mês de Setembro

 

Não há recompensas nem castigos: o que há são consequências

Coménio, A “Educação Objectiva”

O ensino objectivo segundo João Amós Coménio

O tema do ensino objectivo em João Amós Coménio foi abordado em tantos trabalhos que surge a impressão de ter sido já esgotado, nada mais podendo acrescentar-se. Felizmente, não é assim. Na minha opinião, ficam ainda por responder muitas perguntas para se poder considerar resolvido este assunto.

Deste assunto ocupam-se muitos pedagogos. Analisam-no quase sempre do ponto de vista de especialistas em técnicas audiovisuais e não como estudiosos da obra de Coménio.

Para estes especialistas, Coménio é tão somente o patrono histórico do desenvolvimento dos meios técnicos do ensino.

A concepção do ensino objectivo de Coménio é deturpada por tais especialistas, que apenas se interessam em melhorar a assimilação dos conhecimentos somente por via da percepção sensorial.

Fica por resolver como facilitar este processo pelos meios técnicos modernos. É talvez a abordagem mais rudimentar de Coménio.

Os pedagogos sensíveis ultrapassam a barreira do conhecimento proporcionado pelos sentidos e procuram, na obra de Coménio, o que ele informa sobre as ulteriores fases do processamento racional das informações transmitidas pelos sentidos.

No entanto, isto efectua-se, na maioria dos casos, ao nível geral, sem que o problema seja estudado com a necessária profundidade, ao nível do conhecimento de psique e do pensamento do aluno. Os trabalhos desta índole escasseiam, tratando-se, na maioria dos casos, de trabalhos obsoletos que reflectem uma fase já superada da psicologia.

Ao estudar a obra de Coménio, à luz da psicologia pedagógica contemporânea, facilmente verificaríamos que as suas ideias continuam a ser actuais, frescas, resistindo com êxito à prova do tempo.

Este é o problema número um. Tratarei de esboçar alguns outros problemas, assim como as ideias que possam facilitar a solução.

Talvez seja devido ao facto de Coménio considerar o ensino objectivo como a “regra de ouro”, que alguns pedagogos o consideram como um princípio fundamental, decisivo, que se sobrepõe a outros princípios didácticos.

Uma tal visão revela uma grave incompreensão de Coménío. Para o Mentor das Nações é típico, pelo contrário, o esforço pela complexidade de todo o sistema pedagógico e pela solução equilibrada de todos os problemas.

Assim acontece também no campo dos princípios didácticos, formulados principalmente na Didáctica Magna. É que os princípios formam um sistema no qual um depende do outro e, na maioria dos casos, eles complementam-se, podendo actuar de forma eficiente só em conjunto.

Perturbar este conjunto, eliminando, subestimando ou, pelo contrário, dando excessiva importância a algum desses princípios, e elevando-o acima de todos, significará a destruição, a deturpação de todo o processo didáctico.

O ensino objectivo só adquire o seu sentido mais profundo formando parte do conjunto dos princípios didácticos e, neste conjunto é que se leva a cabo, complementam os demais princípios.

A complexidade é o princípio central à luz da qual se deve concentrar a interpretação da obra didáctica de Coménio. O desenvolvimento e a propagação desta interpretação poderia proporcionar uma nova visão de todo o sistema educativo de Coménio.

Outra questão, a qual, que eu saiba, não foi ainda devidamente estudada, é o conceito do máximo do ensino objectivo, ou seja, “apresentar cada coisa a tantos sentidos quanto for possível”. Como entender este princípio?

Devemos atender somente à interpretação quantitativa, ou seja, admitir que, quanto maior for a quantidade de diversas percepções sensoriais envolvidas, tanto maior será a intensidade do ensino objectivo?

Ou, pelo contrário, devemos relevar o aspecto qualitativo, quer dizer, admitir que uma nova qualidade perceptiva dependerá do número dos sentidos envolvidos, criando, assim, uma estrutura, a que poderíamos chamar “multidimensional”, capaz de conduzira um conhecimento mais profundo?

Esta nova estrutura imprime-se na mente infantil como se ela fosse de cera. O grande pedagogo expressa-o nos seguintes termos; “...tudo isso se imprime no cérebro de tal forma que sempre que desejarmos recordá-lo é como se estivesse diante dos nossos olhos, como se soasse nos nossos ouvidos, como se fosse saboreado pelo paladar ou tacteado”.

No entanto, nem com esta frase Coménio expressou precisamente a sua concepção. Uma análise minuciosa do texto didáctico poderia contribuir para uma compreensão o mais exacta.

Numa série de apontamentos, Coménio alude ao papel da percepção sensorial no processo cognitivo da criança. É o primeiro elo da cadeia cognitiva que compreende a percepção sensorial, a fixação e o processamento dos conhecimentos na mente e, posteriormente a aplicação dos conhecimentos para interpretar a realidade.

Todo este processo começa pelo conhecimento objectivo. Na Didáctica Magna e na Pampaedia os princípios estão formulados da seguinte maneira: “Primeiro, exercitar os sentidos, logo a memória, depois o entendimento e, finalmente, o juízo”.

Os exemplos desta concepção são multifacetados. Na concepção de Coménio cabem os exemplos didácticos, a representação das mais variadas actividades sob a forma de jogos infantis, o exemplo dos pais, dos tutores, dos professores e dos condiscípulos.

Aqui, a concepção sensorial primitiva complica-se, como se não fosse suficiente, já que uma situação à partida mais complicada requer também uma percepção mais complicada, não somente a sensorial. Na minha opinião, esboça-se, como outra tarefa por solucionar: a análise sistemática da gnoseologia de Coménio, na qual sejam sistematizados os seus pontos de vista, um por um.

Neste contexto, quero realçar que Coménio considera a percepção sensorial não como um assunto biologicamente adquirido, mas como um processo que deve ser desenvolvido, tanto no que respeita aos sentidos externos como aos internos.

Ou seja: é preciso cultivar uma atenta visão externa, o espírito de observação, para que se possa garantir a percepção nítida do olho interno.

O ensino objectivo é considerado geralmente pelas pessoas como uma noção inequívoca, um fenómeno estável e inalterável, o que é um erro. Coménio atribui ao ensino objectivo diferentes funções, de acordo com o objectivo que se procura atingir, segundo a forma do seu emprego, do lugar e da fase do processo educativo.

Este problema mereceria uma ampla análise da obra pedagógica de Coménío, a qual traria, incontestavelmente, resultados valiosos e interessantes. Vamos esboçar a nossa interpretação.

Empregar no início da exposição de uma nova matéria os procedimentos do ensino objectivo levará a motivar os alunos, a despertar-lhes o seu interesse, a ânsia por conhecer algo de novo. Isto pode processar-se, por exemplo, através de representação de alguma actividade.

O ensino objectivo pode também evitar que os alunos sobrecarreguem o seu intelecto de forma unilateral, quando o aluno perde a vontade de estudar, o emprego dos métodos audiovisuais torna a despertar o seu interesse. O próprio Coménio conseguiu-o durante a sua missão, pedagógica em Blatný Potok, ao superar a inércia e a indiferença dos alunos propondo-lhes actuar no teatro escolar “Schola Ludus”.

O ensino objectivo ajuda a criar uma atmosfera amena e animada na escola.

Além disso, o ensino objectivo serve para fortalecer a memória, para facilitar a fixação dos conhecimentos, despertar a atenção, etc. Assume também a função da prova directa. “Não através da mera autoridade, mas tudo através da prova, através da razão e dos sentidos”.

É mesmo possível falar da função estética dos meios do ensino objectivo; os quadros, os mapas e os gráficos são utilizados também para a decoração de escola. O jardim que rodeia a escola, tem uma função tanto recreativa como estética e didáctica: os alunos podem observar as plantas e os fenómenos naturais.

A representação concreta dos fenómenos não deve interpretar-se apenas do ponto de vista visual. A concepção de Coménio é muito mais complicada, abrange inclusive formas superiores de pensamento.

Nos textos de Coménio, encontramos por exemplo, referências a “exposição transparente empregando elementos do ensino objectivo”. Ou seja, uma forma esclarecedora e viva da exposição, capaz de sugerir imagens equivalentes à percepção sensorial directa, ou ainda mais profundas.

Para alcançar este objectivo contribui, indiscutivelmente, o facto de que semelhante exposição terá igualmente uma forte repercussão emocional, e até mais forte do que no caso de mera percepção sensorial.

Na sua obra, Coménio emprega igualmente imagens da vida concreta, recorrendo a comparações sincréticas das realidades relacionadas com os fenómenos naturais, por exemplo, dizendo que a educação inunda as crianças como os raios solares, que os alunos são árvores novas que recebem enxertos etc...

A imagem concreta enriquece a afirmação abstracta, suscitando uma reacção emotiva. Neste contexto, Coménio atribui uma extraordinária importância à Bíblia, mas aqui, dado o carácter complicado das suas imagens, prefere apresentá-la aos alunos em forma ilustrada.

Seria preciso ocuparmo-nos também da forma da representação da realidade. Coménio prefere que as crianças entrem em contacto directo com a realidade, obtendo o conhecimento directo da Natureza, do mundo dos homens e da sociedade.

Ele desejaria encher as salas de aula com as amostras de realidade, mas aconselha que se empreendam, com maior frequência, excursões com as crianças, que se percorra a Natureza, facilitando-lhes o conhecimento directo a cada passo, sempre que for possível.

Outra forma, embora inferior, é a utilização de modelos, quadros e gráficos. E, além disso, os símbolos, os quais, por analogia, expressam outra realidade. Aqui, entramos, porém, num campo onde o pensamento de Coménio, marcado pelo simbolismo barroco, difere substancialmente do nosso, como difere o pensamento das crianças contemporâneas do pensamento das crianças do século dezassete.

A nossa concepção do ensino objectivo e, inclusive, as opiniões de Coménio, expressas em outros lugares, entra, inevitavelmente, em contradição com a afirmação de que: “...desta forma é possível apresentar aos sentidos tudo, inclusive as coisas espirituais e ausentes... Deus ordenou tudo de forma que fosse possível expressar o sublime por meio das coisas menos belas, o ausente por meio do presente, e o invisível através do visível”.

Sob este ponto de vista seria necessário estudar mais a fundo a obra “Orbis Sensualium Pictus”, onde, numa série de quadros, se nota o esforço por representar visualmente noções abstractas sob a forma de símbolos alegóricos; por exemplo, os conceitos de alma, Deus, traços do carácter.

Admitamos que os alunos de Coménio eram educados para outra forma do pensamento e da percepção da realidade simbólica, de maneira que estas alegorias não lhes eram tão distantes e incompreensíveis como para as crianças contemporâneas.

Mas, deixem-nos fazer uma pergunta: não estaria este esforço alegórico, inserido no contexto histórico, em contradição com outro esforço de Coménio, que era o de fomentar a função precisa dos sentidos e o conhecimento preciso e concreto de realidade?

E para finalizar, uma nota de carácter geral: toda a educação, todos os seus princípios e métodos e, portanto, também o ensino objectivo, devem estar ao serviço de uma única finalidade: a formação, em harmonia, para a sabedoria e o humanismo.

Coménio pretende alcançar este objectivo através de métodos libertos do mofo e da escolástica vazia, o que está relacionado com o nosso tema. Como? Permitimo-nos citar uma frase da Didáctica Magna: o que as pessoas devem aprender não é a sabedoria dos livros, mas a do Céu, da Terra, dos carvalhos e das faias.

Pode colocar-se o ensino objectivo em nível mais alto?

Dr. Boris Uher
República Checa
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