Mensagem de Reflexão para o mês de Dezembro

 

Servir só para si é não servir para nada.

Análise Médica da Morte Física de Jesus Cristo
 


Estudo efectuado por um grupo de trabalho da Mayo Clinic, Minnesota. E.U.A.

Jesus de Nazaré foi julgado por judeus e romanos, flagelado e condenado à morte por crucificação.

Os castigos infligidos produziram lacerações profundas e uma apreciável perda de sangue, criando provavelmente condições para o choque hipovolémico, o que se torna ainda mais evidente devido ao facto de Jesus se encontrar demasiado enfraquecido para transportar a cruz (patíbulo) até ao Gólgota.


No local da crucificação, os seus pulsos foram pregados ao patíbulo e, após a elevação deste na vertical, os pés foram igualmente pregados.

O principal efeito patofisiológico da crucificação foi a interferência com a função respiratória normal. Assim, a morte resultou, em primeiro lugar, do choque hipovolémico e da asfixia por exaustão.

Por sua vez, a morte de Jesus foi assegurada através de um golpe de lança desferido por um soldado.

A actual interpretação médica do facto histórico revela que Jesus já se encontrava morto quando foi retirado da cruz. A vida e doutrina de Jesus de Nazaré constituíram a base de uma das principais religiões do mundo (o cristianismo), influenciaram profundamente o curso da história da humanidade e, em virtude de uma atitude compassiva para com os doentes, contribuíram igualmente para a transformação da medicina moderna.

A eminência de Jesus como figura histórica e o sofrimento e controvérsia que estão associados à sua morte, levaram-nos a investigar, numa perspectiva interdisciplinar, as circunstâncias que rodeiam a sua crucificação.

Assim, é nossa intenção apresentar não um tratado sobre teologia, mas sim um relato preciso e rigoroso, do ponto de vista médico e histórico, da morte física de Jesus.

As Fontes

Todo o material de consulta referente à morte de Jesus é constituído apenas por um conjunto de documentos escritos, não existindo um cadáver físico ou os seus restos mortais.

Nesta perspectiva, a credibilidade de qualquer debate sobre a morte de Jesus será condicionada, em primeira análise, pela própria credibilidade das fontes utilizadas.

Para o presente estudo, o material de consulta utilizado inclui os escritos dos autores antigos, cristãos e neo-cristãos, os escritos de autores modernos e o Sudário de Turim .

Usando o método histórico-legal da investigação científica, os estudiosos demonstraram a exactidão e correcção dos antigos manuscritos.

As descrições mais extensas e detalhadas sobre a vida e morte de Jesus encontram-se nos Evangelhos de Mateus, de Marcos, Lucas e João, incluídos no Novo Testamento.

Os restantes 23 livros que compõem o N.T. apoiam mas não aprofundam, as situações relatadas nos Evangelhos.

Autores contemporâneos cristãos, judeus e romanos. Fornecem critérios adicionais, relativamente aos sistemas jurídicos dos judeus e romanos em vigor no século I, para além de outros pormenores referentes aos castigos infligidos e à crucificação de Jesus.

Por outro lado, autores como Séneca, Lívio, Plutarco e outros, referem-se, nas suas obras, a práticas de crucificação.

Em particular, Jesus (ou a sua crucificação) é mencionado pelos historiadores romanos, Cornélio Tácito; Plínio, o Jovem; Suetónio; por historiadores não romanos, como Thallus e Phlegon, pelo satírico Luciano de Samósata, pelo Talmude e, ainda, pelo historiador judeu Flávio José, embora a autenticidade de certas passagens deste último seja discutível.

Muitos consideram que o sudário de Turim representou a verdadeira mortalha de Jesus e diversas publicações, referentes a aspectos médicos da sua morte, estabelecem conclusões baseadas neste pressuposto. O sudário de Turim e recentes achados arqueológicos fornecem valiosas informações quanto às práticas romanas de crucificação.

Por outro lado, interpretações de escritores modernos, com base em conhecimentos médicos e científicos desconhecidos no século I, podem fornecer critérios adicionais referentes aos possíveis mecanismos da morte de Jesus.

Quando encarados globalmente, determinados factos garantem testemunho sólido e seguro, a partir do qual pode ser feita uma interpretação médica actualizada da morte de Jesus.

Referimo-nos, em particular, aos antigos e extensos testemunhos, tanto de defensores como de opositores do cristianismo e à aceitação universal de Jesus como verdadeira figura histórica; à ética dos evangelistas e à escassez de tempo que separa os manuscritos existentes por último, à confirmação dos factos relatados nos Evangelhos por historiadores e achados arqueológicos.

Getsemani

Depois de Jesus e os seus discípulos terem celebrado a refeição pascal na sala superior de uma casa situada a sudoeste de Jerusalém, dirigiram-se para o Monte das Oliveiras, a nordeste da cidade (fig. 1).

 

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Fig. 1

Cabe aqui referir que, devido a diversos ajustamentos no calendário, as datas do nascimento e morte de Jesus continuam a gerar alguma controvérsia.

Todavia, é provável que Jesus tenha nascido no ano 4 ou 6 a. C. e tenha morrido no ano 30 da era cristã. Durante a celebração da Páscoa no ano 30 d.C., a última ceia teria sido celebrada a 6 de Abril, Quinta-feira (13 de Nisan) e Jesus teria sido crucificado a 7 de Abril, Sexta-feira (14 de Nisan), nas proximidades de Getsemani.

Jesus, sabendo aparentemente que a sua hora estava próxima, caiu num estado de profunda angústia e, conforme nos descreve Lucas, apóstolo e médico, o seu suor transformou-se como que em sangue.

Embora seja um fenómeno extraordinariamente raro, esta situação (hematidrose ou hemohidrose), pode ocorrer em estados emocionais extremos, ou em indivíduos que sofrem de graves perturbações hemorrágicas.

Assim, em consequência de hemorragias nas glândulas sudoríparas, a pele torna-se frágil e delicada. A descrição de Lucas identifica-se mais com o diagnóstico de hematidrose do que com a de cromidrose ecrina (suor de cor castanha ou verde amarelada) ou com o da estigmatização (aparecimento de gotas de sangue nas palmas das mãos e noutras partes do corpo).

Embora alguns autores tenham sugerido que a hematidrose produziu a hipovolémia, nós perfilhamos o opinião de Bucklin, segundo a qual a perda de sangue que Jesus sofreu foi, provavelmente, mínima. Todavia, o ar frígido da noite pode Ter contribuído para um esto de resfriamento.

Julgamentos de Jesus

Logo após a meia-noite, Jesus foi preso em Getsamani por guardas do templo e levado, primeiro, à presença de Anás e depois à de Caifás, o sumo sacerdote judeu, nomeado para esse ano (Fig. 1)

Entre a uma da manhã e o romper da madrugada, Jesus foi julgado na presença de Caifás e perante o sinédrio político, tendo sido condenado por blasfémia.

Em seguida, os guardas vendaram-lhe os olhos, cuspiram-lhe em cima e esbofetearam-no. Logo após o nascer do dia, presumivelmente no templo (Fig. 1), Jesus foi novamente julgado, agora perante o sinédrio religioso (com os fariseus e os saduceus) e mais uma vez condenado por blasfémia, um crime punível pela morte.

Julgamentos Romanos

Uma vez que todas as execuções tinham de ser autorizadas pela administração romana, Jesus foi conduzido de manhã cedo, pelos guardas do templo, ao pretório da fortaleza Antónia, a residência e sede do governo de Pôncio Pilatos, procurador da Judeia ( Fig. 1).

Todavia, Jesus foi apresentado a Pilatos, não como blasfemador, mas sim como autodenominado rei, que iria enfraquecer a autoridade e poderio romano.

No entanto, Pilatos não proferiu quaisquer acusações contra Jesus, mas enviou-o à presença de Herodes Antipas, tetrarca da Judeia.

Herodes, por sua vez, também não fez acusações oficiais, tendo Jesus sido enviado de novo a Pilatos (fig. 1).

Mais uma vez Pilatos não encontrou fundamentos para acusação legal contra Jesus, enquanto que o povo reclamava insistentemente a sua crucificação.

Por fim, Pilatos acedeu ao pedido, entregando-lhes Jesus para ser açoitado (flagelado) e crucificado. É de referir que McDowell se debruçou sobre o clima político, religioso e económico que prevalecia em Jerusalém na altura da morte de Jesus e que outro estudioso deste assunto, Bucklin, descreveu várias ilegalidades que envolveram os julgamentos judeu e romano.

A Saúde de Jesus

Os rigores do ministério de Jesus (ou seja, o facto de Ter viajado a pé por toda a Palestina), Ter-lhe-iam provocado qualquer doença física de alguma gravidade, ou uma fraca constituição geral.

De qualquer forma, é razoável admitir que Jesus se encontrava em boas condições físicas antes de se Ter dirigido para Getsemani. Todavia, durante 12 horas, ou seja, entre as 9 da noite de Quinta-feira e as 9 da manhã de Sexta, Jesus havia sofrido uma grande tensão emocional (conforme nos demonstra a hematidrose), tinha sido abandonado pelos seus amigos mais íntimos (os discípulos) e submetido aos castigos corporais (esbofeteado após o primeiro julgamento judeu).

Para além disso, durante toda a noite dramática sem dormir, Jesus havia sido obrigado a andar cerca de 4 km, de e para os locais onde se realizaram os diversos julgamentos (Fig. 1).

Assim, estes factores físicos e emocionais podem ter tornado Jesus particularmente vulnerável aos adversos efeitos hemodinâmicos da flagelação.

A Flagelação

O açoitamento constituía uma prática legal que antecedia todas as execuções romana, apenas se encontrando isento as mulheres, os senadores romanos e os soldados (excepto em caso de deserção).

O instrumento geralmente utilizado era um chicote curto (o “flagrum” ou “flagellum”), constituído por várias tiras de couro, simples ou entrançadas e de comprimentos variáveis, às quais eram atadas pequenas esferas de ferro, ou fragmentos muito aguçados de ossos de carneiro, devidamente espaçados entre si (Fig. 2).
 
 

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Fig. 2

Por vezes também eram utilizados bastões ou varas. Para a prática da flagelação, o homem era despido das suas roupas e, em seguida, amarrado a um poste vertical (fig. 2).

As costas, nádegas e pernas da vítima eram açoitadas quer por dois soldados (os lictores), quer por apenas um, que alternava de posição.

A dureza do castigo infligido dependia unicamente da vontade e disposição dos lictores, pretendendo-se, assim, enfraquece a vítima até um estado muito próximo do colapso da morte. Após a flagelação, os soldados insultavam frequentemente as suas vítimas.

Aspectos Médicos da Flagelação

À medida que os soldados romanos chicoteavam, repetidamente e com todas as suas forças, as costas da vítima, as esferas de ferro causavam contusões profundas e, simultaneamente, as tiras de couro e fragmentos de osso rasgavam a pele e tecidos subcutâneos. Em seguida, com a continuação do açoitamento, as lacerações penetravam nos músculos subjacentes e provocavam faixas trementes de carne viva.

Flagelação de Jesus

No Pretório, Jesus foi severamente chicoteado. Embora a dureza dos castigos infligidos não venha descrita nos relatos dos quatro evangelistas, encontra-se contudo implícita numa das epístolas (Pe. 1,2-24).

Assim, um estudo detalhado do antigo texto grego referente a este versículo revela-nos que a flagelação de Jesus foi particularmente severa e dura. Não se sabe, ao certo, se o número de chicotadas se limitou a 39, de acordo com a lei vigente dos judeus.

Por outro lado, os soldados romanos, troçando deste homem, ridicularizaram Jesus colocando-lhe um manto sobre os ombros, uma coroa de espinhos na cabeça e um bordão de madeira, a servir de ceptro, na mão direita.

Em seguida, cuspiram em Jesus e bateram-lhe na cabeça com o bordão. A dureza das práticas de flagelação, originando dores muito intensas e uma apreciável perda de sangue, deixaram Jesus certamente em estado de pré-choque.

Finalmente, os abusos físicos e mentais cometidos pelos judeus e pelos romanos, juntamente com a falta de alimento, de água e de sono, contribuíram também para agravar a debilidade do seu estado geral. Por consequência, mesmo antes da crucificação, a condição física de Jesus já era, no mínimo, muito grave, senão mesmo crítica.

Crucificação

A prática da crucificação teve origem, presumivelmente, entre os persas. Alexandre, o Grande, introduziu-a no Egipto e em Cartago, tendo os romanos tomado conhecimento dela através dos cartagineses. Todavia, embora os romanos não tivessem inventado a crucificação, aperfeiçoaram a sua técnica, como forma de tortura e castigo capital, que se destinava a provocar morte lenta, acompanhada do máximo de sofrimento e dor.

Com efeito, tratava-se de um dos métodos de execução mais infames e cruéis, sendo geralmente reservados apenas para os escravos, estrangeiros, revolucionários e para os criminosos mais vis e desprezíveis.

Por sua vez e segundo o direito romano, a lei protegia os cidadãos romanos da crucificação, à excepção dos casos de deserção de soldados.

Na sua forma mais primitiva, na Pérsia, a vítima era amarrada a uma árvore ou, então, era empalada numa estaca vertical, geralmente por forma a evitar que os pés tocassem o solo sagrado. Só mais tarde foi introduzida a cruz.
 

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Fig. 3

Na sua forma mais simples era constituída por um poste vertical e uma barra horizontal (o patíbulo), apresentando contudo diversas variantes. Embora certas provas de carácter histórico e arqueológico apontem vivamente para o facto de a cruz em forma de T (ou cruz de tau) ter sido a preferida pelos romanos na palestina, no tempo de Jesus, o facto e que as práticas de crucificação variavam frequentemente numa determinada região geográfica e dependiam, em muitos casos, da imaginação dos executores, o que nos leva a concluir que a cruz latina e mesmos outros tipos, podem igualmente ter sido utilizados.

Era ainda habitual que o condenando transportasse a sua própria cruz do local de flagelação até ao local de crucificação, fora das muralhas da cidade.

De uma maneira geral a vítima ia nua, a menos que tal fosse proibido pelos usos e costumes locais. Uma vez que o peso total da cruz completa ultrapassava provavelmente de 136 kg, apenas era transportado o braço horizontal.

O patíbulo, que pesava 34 a 57 kg., era colocado na parte posterior do pescoço da vítima, sobre a nuca e seguindo a linha dos ombros. Habitualmente, os braços estendidos eram então amarrados ao patíbulo.

A caminhada até ao local da crucificação era conduzida por um corpo completo da guarda militar romana, encabeçado por um centurião. Um dos soldados transportava uma espécie de tabuleta (o “titulos”) com a indicação do nome e crime do condenado. Posteriormente, o “titulos” era atado à parte posterior da cruz.

O tempo de sobrevivência do crucificado variava, de maneira geral, entre 3 a 4 horas, podendo prolongar-se por 3 a 4 dias, presumindo-se que tal estivesse inversamente relacionado com a severidade da flagelação imposta.

Porém, mesmo nos casos em que a flagelação tivesse sido branda e moderada, os soldados romanos podiam apressar a morte da vítima, quebrando-lhe as pernas abaixo dos joelhos (o “crurifragium” ou “skelokopia”).

Era também frequente observar insectos pousarem ou alojarem-se nas feridas abertas, nos olhos, nos ouvidos ou no nariz da vítima indefesa e agonizante, ao mesmo tempo que as aves de rapina dilaceravam a sua carne.

Por outro lado, era prática comum deixar o corpo na cruz, para que fosse devorado por animais predadores. Todavia, de acordo com as leis romanas, a família da vítima podia retirar o corpo e proceder ao seu enterro, desde que para tal fosse devidamente autorizada pelo juiz romano.

Uma vez que ninguém podia sobreviver à crucificação, o corpo só podia ser entregue á família, depois de os soldados se terem certificado da sua morte. Assim, um dos guardas trespassava o corpo da vítima com uma espada ou lança.

Segundo consta, este golpe fatal dirigido ao coração, através do lado direito do peito, era ensinado provavelmente a todos os soldados romanos. Resta acrescentar que a lança tradicional de infantaria, com cerca de 1,50 a 1,80 m. de comprimento, poderia facilmente penetrar no peito de um homem, crucificado na habitual cruz de menor dimensão.

Aspectos Médicos da Crucificação

Quando se possui conhecimento profundo de anatomia e, simultaneamente, das antigas práticas de crucificação, é possível fazer-se uma reconstituição dos aspectos médicos prováveis que envolveram esta forma de execução lenta.

Aparentemente, cada um dos ferimentos destinava-se a produzir uma intensa agonia, sendo inúmeras as causas que contribuía para a morte do condenado.

A flagelação, que antecedia a crucificação, tinha a finalidade de enfraquecer a vítima e, se a perda de sangue fosse considerável, de produzir hipotensão ortostática e, até mesmo, o choque hipovolémico.

Quando a vítima era atirada ao chão, de costas, para transfixação dos pulsos, era muito provável que as feridas provocadas pela flagelação reabrissem e fossem contaminadas pelo pó e sujidade.

Por outro lado, cada vez que a vítima respirava, as feridas dolorosas roçavam na madeira tosca da cruz, ocasionando assim uma perda de sangue nas costas que, possivelmente, iria continuar durante todo o suplício da crucificação.

Com os braços estendidos, mas não completamente esticados, os pulsos eram pregados ao patíbulo. Tem sido demonstrado que os ligamentos e ossos do pulso podem suportar o peso de um corpo neles suspenso, embora o mesmo já não se possa dizer em relação às palmas das mãos.

Consequentemente, é provável que os cravos de ferro fossem introduzidos entre o rádio e o carpo, ou entre as duas fileiras de ossos que constituem o carpo mas, em qualquer dos casos, muito próximo ou mesmo através do forte retináculo flexor e dos vários ligamentos intercápicos (Fig. 4).
 

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Fig. 4

Todavia, se bem que um prego introduzido numa dessas partes do pulso pudesse passar por entre os elementos ósseos, sem causar portanto qualquer fractura, o certo é que as lesões sofridas a nível do periósteo seriam graves e dolorosas.

Para além disso, a introdução do prego iria certamente ocasionar o esmagamento ou o seccionamento do grande nervo sensório-motor mediano (Fig. 4).

Com efeito, o nervo assim estimulado causaria manifestações de dor extremamente violentas em ambos os braços. Por sua vez, embora uma parte da mão ficasse paralisada em consequência da lesão do nervo mediano, as contracções (ou contracturas) devidas à isquémia, juntamente com as perfurações dos vários ligamentos, iriam naturalmente produzir uma forte sensação de aperto.
 
 

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Fig. 5

Na maioria dos casos, os pés eram pregados à parte da frente do poste, por meio de um cravo de ferro introduzido através do primeiro ou segundo espaço intermetatársico, algo distante da junta tarso-metatársica. É muito provável que o nervo peronial e ramificações dos nervos plantares lateral e medial fossem danificados com a introdução do cravo (Fig. 5).

Para além da crucificação ser uma prática extremamente dolorosa, o seu maior efeito patofisiológico consistia, na realidade, numa marcada interferência com a função respiratória normal, muito particularmente com a expiração.

Assim, o peso do corpo abatendo-se sobre os braços e ombros estendidos, tenderia a fixar os músculos intercostais na posição de inspiração, impedindo portanto a expiração passiva.

Desta forma, a expiração era fundamentalmente diafragmática, sendo a respiração fraca e superficial. É pois muito provável que este tipo de respiração fosse insuficiente e, como tal, viesse a originar, em breve, uma hipercardia.

Por sua vez, a ocorrência de espasmos ou cãibras musculares e de contracções tetânicas - em consequência de uma grande fadiga e da hipercardia - iriam dificultar, ainda mais acentuadamente, todo o processo respiratório.

Para uma expiração adequada e correcta, seria necessário erguer o corpo, fazendo força nos pés e provocando, simultaneamente, a flexão dos cotovelos e a adução dos ombros.

Todavia, esta manobra iria colocar todo o peso do corpo sobre os ossos do tarso, o que seria extremamente penoso. Por outro lado, a flexão dos cotovelos obrigaria a uma rotação dos pulsos sobre os cravos de ferro, causando assim novas sensações de dor, ao longo dos nervos medianos já danificados.

Além disso, ao tentar erguer o corpo, as feridas resultantes da flagelação roçariam pela superfície rugosa da cruz, o que, mais uma vez, seria bastante doloroso.

Por fim, a parestesia e os espasmos musculares, provocados pela posição dos braços estendidos e ligeiramente erguidos, contribuiriam para aumentar ainda mais o sofrimento da vítima.

Em consequência de toda esta situação, cada esforço respiratório significaria uma nova tortura que, eventualmente, conduziria à asfixia a vítima já agonizante.

A verdadeira causa da morte por crucificação dependia, pois, de diversos factores e, em certa medida, variava de caso para caso; no entanto, duas causas fundamentais estariam na sua origem: o choque hipovolémico e a asfixia por exaustão.

Mas outros factores teriam igualmente contribuído para a morte, como sejam a desidratação, as arritmias provocadas pela tensão e a insuficiência cardíaca congestiva, com rápida acumulação dos fluidos pericardiais e pleurais.

Quando era efectuada a crucifractura (ou seja, a prática de partir as pernas abaixo dos joelhos), a morte da vítima ocorria por asfixia, alguns minutos depois.

Resta ainda acrescentar que a morte por crucificação era, na verdadeira acepção da palavra, excruciante (segundo o termo latino “excruciatus”, cujo significado é “fora da cruz”).

A Crucificação de Jesus

Após a flagelação e toda a fase de escárnio e difamação que se lhe seguiu, os soldados romanos, cerca das 9 horas da manhã, voltaram a vestir Jesus, preparando-se, em seguida, para o conduzir, e mais dois crucificados.

Jesus encontrava-se de tal modo enfraquecido pela violência e severidade dos castigos sofridos, que não conseguiu transportar o patíbulo, desde o Pretório até ao local previsto, que distava cerca de 600 a 650 m.

Simão de Cirene foi então chamado a transportar a cruz, prosseguindo a caminhada até ao Gólgota (ou Calvário). Aqui, Jesus foi novamente despido das suas vestes o que, possivelmente, lhe voltou a provocar a reabertura das feridas, resultantes da flagelação.

Em seguida, foi-lhe dado a beber uma mistura de vinho com mirra (o fel), que recusou após Ter provado. Por fim procedeu-se então à crucificação.

Embora certas passagens das Escrituras se refiram à existência de cravos nas mãos, tal não contradiz de modo algum os testemunhos arqueológicos de lesões nos pulsos, uma vez que os antigos costumavam considerar o pulso como parte integrante da mão.

Em seguida procedeu-se à colocação do “titulus”. Não foi ainda possível esclarecer se Jesus teria sido crucificado na cruz em Tau ou na cruz latina. Por um lado, os testemunhos arqueológicos apoiam a primeira hipótese mas, por outro, a tradição antiga aponta para a segunda.

Por sua vez, o facto de Ter sido posteriormente dado a Jesus uma bebida à base de vinagre, através de uma esponja colocada numa base de cerca de 50 cm. de comprimento, vem defender a teoria de que Jesus foi crucificado na cruz pequena ou cruz baixa.

Segundo consta, Jesus crucificado falou sete vezes. Uma vez que cada acto da fala ocorre durante a expiração, deve Ter sido extremamente difícil e penoso pronunciar essas breves e curtas frases.

A Morte de Jesus

Existem dois aspectos fundamentais relacionados com a morte de Jesus que tem sido fonte de grande controvérsia. São eles: a natureza do sofrimento no peito e a causa da morte, depois de apenas algumas horas na cruz.

O apóstolo João descreve no seu Evangelho a perfuração no peito, salientando do facto do imediato fluxo de sangue e água, que quase simultaneamente ocorreu. Alguns escritores interpretam o fluxo de água como tratando-se de ascite ou de urina, resultante de uma perfuração da bexiga, ao nível médio do abdómen.

Todavia, a palavra grega utilizada pelo apóstolo João significava nitidamente uma posição lateral e era frequentemente usada na acepção de costelas. Portanto, parece provável que o ferimento se tivesse localizado no tórax, isto é, bem longe da zona central do abdómen.

Por outro lado, embora o apóstolo não tivesse mencionado qual o lado do corpo que foi perfurado pela lança, o mesmo tem sido descrito, tradicionalmente, como sendo o direito.

Apoiando esta tradição, encontra-se o facto de o grande fluxo de sangue verificado ser mais provável devido à perfuração da aurícula ou do ventrículo direitos, distendidos e de paredes mais finas, do que à perfuração do ventrículo esquerdo, contraído e de paredes mais espessas.

Embora talvez nunca seja possível estabelecer, com rigor, a localização exacta do ferimento, o certo é que o lado direito parece bem mais plausível do que o esquerdo.

No entanto, algum cepticismo em aceitar a descrição de João deriva justamente da dificuldade em ser possível explicar, com a máxima exactidão e do ponto de vista clínico, esse súbito fluxo de sangue e água.

Ora, parte dessa dificuldade assenta no pressuposto (incorrecto, segundo a nossa opinião), de que o sangue teria surgido primeiro, e só depois a água.

Assim, vejamos: segundo o grego antigo, a ordem das palavras na frase acentuava geralmente a sua importância e não necessariamente uma sequência no tempo. Em virtude disso, parece-nos, pois, que João pretendia apenas salientar a importância do grande fluxo de sangue e não o facto de Ter precedido o da água.

Somos, portanto, de opinião que o fluxo de água - constituído por fluido seroso da pleura e do pericárdio - Ter-se-ia verificado em primeiro lugar, imediatamente seguido pelo fluxo de sangue, bastante maior em termos de volume.

Provavelmente num estado de hipovolemia e de iminente insuficiência cardíaca aguda, Ter-se-iam produzido efusões da pleura e do pericárdio, que igualmente teriam contribuído para o denominado fluxo de água (água aparente, como vimos).

Por outro lado, o fluxo de sangue pode Ter tido a sua origem na aurícula direita ou no ventrículo direito ou ainda pode Ter ficado a dever-se a um hemopericárdio.

A morte de Jesus, depois de apenas três a seis horas na cruz, surpreendeu até o próprio Pilatos. O facto de Jesus Ter dado um grito e inclinado a cabeça sugere a hipótese de um desfecho algo catastrófico.

Segundo uma teoria popular, Jesus teria morrido em consequência de uma ruptura cardíaca. Na verdade, é de admitir que após a flagelação e a crucificação - associada à hipovolemia - se tenham formado vegetações trombóticas friáveis e não infecciosas, na válvula aórtica e ou na válvula mitral.

Essas vegetações trombóticas Ter-se-iam desalojado e, em seguida, embolizado na circulação na circulação coronária, provocando assim um enfarte do miocárdio.

Cabe aqui referir que, em situações traumáticas agudas, análogas a esta, tem-se registado o aparecimento deste tipo de vegetações trombóticas valvulares; em consequência disso e nas primeiras horas após o enfarte, pode então ocorrer uma ruptura da parede do ventrículo esquerdo, embora tal seja muito pouco frequente.

Todavia, existe uma outra teoria, a nosso ver mais plausível, segundo a qual a morte de Jesus teria sido acelerada, única e simplesmente, devido ao seu estado de profunda exaustão e também à extrema severidade da flagelação infligida, a qual originou uma grave perda de sangue e o consequente estado de pré-choque.

A reforçar esta interpretação encontra-se justamente o facto de Jesus não Ter conseguido transportar o seu próprio patíbulo.

Mas a verdadeira causa da morte de Jesus - como a de tantas outras vítimas crucificadas - ficou provavelmente a dever-se a múltiplos factores que, em primeiro lugar, poderemos relacionar com o choque hipovolémico, com a asfixia por exaustão e, possivelmente, com a insuficiência cardíaca aguda.

Por outro lado, uma arritmia cardíaca fatal pode Ter contribuído para o aparente desfecho catastrófico da situação.

Permanecem, pois, certas dúvidas sobre se Jesus morreu em consequência de uma ruptura cardíaca ou de insuficiência cardiorespiratória.

Todavia, o aspecto fundamental da questão talvez não seja o modo como Jesus morreu, mas sim se ele efectivamente morreu.

É um facto que todos os testemunhos históricos e médicos não só indicam que Jesus já estava morto quando lhe infligiram o golpe no peito, como apoiam a teoria tradicional de que a lança - ao atravessar as costelas do lado direito - teria perfurado não apenas o pulmão direito, mas também o pericárdio e o coração, assegurando assim a morte.

Consequentemente, poderemos concluir que, qualquer interpretação baseada no pressuposto de que Jesus não teria morrido na cruz, parece estar em desacordo com a moderna ciência médica.
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