O Que a Bíblia nos Ensina

O Renascimento nas Escrituras Sagradas

Capítulo IX

A Divina Lei da Causa e do Efeito

No princípio nós estávamos com DEUS, formando mesmo parte d’Ele, assim como fazem agora as células dos nossos corpos; mas não tínhamos existência material – éramos espíritos apenas. E por isso mesmo estávamos inconscientes da existência terrena, exactamente como sucede com as células dos nossos corpos. Também elas ignoram a existência do ser que as domina dentro dos seus moldes etéreos, nos quais nascem e morrem, se formam e transformam. Jamais conheceram o seu Deus criador que chamamos Ego ou Espírito, que é o que em nós se mantém eternamente, por ser de natureza divina.

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De facto, estamos impedidos de formar do nosso Criador uma ideia tão concreta quanto o almeja o nosso árido intelecto! E, todavia, formamos parte do Corpo de Deus! Nele vivemos e existimos, física e espiritualmente, mas ao princípio éramos Espíritos Virginais. Por outras palavras: ainda não tínhamos entrado no campo da experiência que nos graduaria para mais altas missões.

Do estado virginal descemos ao experiencial, o que também se chama involução. E, assim, os Espíritos Virginais que formam a Humanidade a que pertencemos começaram por descer da sua pureza primitiva às condições terrenas para aprender a trabalhar com a terra, e para esse fim tiveram de criar os instrumentos necessários para se apossar dela e a dominar.

E já vamos muito longe nesta magna obra, procurando agora abrir caminho através dos espaços siderais!

O que somos agora representa milhões e milhões de anos em luta viva entre a morte e a vida, ora na matéria ora livre dela, mas sempre lutando e vivendo em busca de maior poder e perfeição! E de experiência em experiência, nós, espíritos, da natureza etérea, criámos os instrumentos que chamamos corpos ou veículos invisíveis. E com eles atraímos a matéria nas suas formas subtilíssimas, para com ela formar a nossa carne e ossos. É com estes corpos que nos manifestamos neste mundo e trabalhamos com a matéria, moldando-a, transformando-a e provando até ao mais profundo as suas leis. E assim podemos dominá-la inteligentemente, graduando-nos para irmos de homens a Super-Homens, ou seja, de homens a deuses criadores porque, a grande finalidade a atingir com a nossa descida aos domínios materiais é precisamente essa.

O que somos representa muitos milhões de anos de luta nesta roda viva de renascimentos e mortes, na ânsia suprema de atingir a luminosa meta da Perfeição, de ser um Deus Criador. E esta meta não pode ser alcançada sem termos caído no caminho! Por isso não devemos censurar os caídos pelas suas debilidades morais: devemos ajudá-los a levantar-se, a caminhar com maior segurança na senda evolutiva, para que mais depressa cheguem à meta, ao final da senda evolutiva – a Perfeição Divina.

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Os livros sagrados falam-nos dos vários estados por que passamos antes de sermos o que somos.

Isto, no entanto, não estava ao alcance dos leitores vulgares, porque os escritos da Bíblia foram produzidos por iniciados e eram destinados apenas a outros iniciados. Por isso, nem todos podiam entender aqueles substanciosos documentos, escritos em sentido figurado. Porém, agora, que a Humanidade evoluiu tanto, já pode começar a receber a luz contida nesses livros maravilhosos. Mais tarde recebe-la-á mais amplamente, por haver atingido então um mais alto grau de desenvolvimento.

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Para perceber a luz criou o Homem uns instrumentos de tão rara sensibilidade que, se não tem com eles e com o seu uso o cuidado necessário, estragam-se, avariam-se, e podem até perder-se!

A estes maravilhosos instrumentos se chamou "olhos".

Diz-se que são estes delicadíssimos instrumentos as janelas da alma, e nós assim o cremos! É por meio deles que o Homem pode orientar-se e ver tudo quanto o cerca e cabe na esfera da sua capacidade. Porém, tudo quanto fica abaixo ou acima do seu poder visual não será percebido por esses admiráveis órgãos de percepção. E, por isso, o Homem inculto e atrasado é o que mais nega, pois a sua tendência é para aceitar apenas o que pode ver com os seus próprios olhos.

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De todos os meios que levaram o Homem a cair da sua antiga e altíssima dignidade espiritual foram, sem dúvida, os olhos os mais poderosos instrumentos de perdição, por não serem usados dignamente!

Desde que o Homem usou os olhos para fins indevidos, tudo se complicou na escala evolutiva! E disso nos dá a Bíblia uma ideia bem nítida quando relata a queda do Homem, a que chama a expulsão do Éden! É uma revelação de que o Homem não viu castamente a beleza da forma física da mulher e se deixou perturbar por ela, esquecido inteiramente de que a vista lhe fora dada para buscar a beleza e para a tornar mais bela ainda, e não para afeiar o belo e pulcro.

Se não fossem os olhos, o Homem não teria sido tão mau! Ele não teria semeado em redor de si tanta tristeza e sofrimento! Mas, verdade é que pelo aguilhão do sofrimento o Homem avançou muito, pois quanto mais sofremos mais adiantamos a nossa evolução, o nosso aperfeiçoamento!

O homem terreno – referimo-nos ao homem feito de terra, do pó da Terra, o homem físico – é sempre atraído para o grotesco e vil, por um estranho poder que seduz com a maior subtileza e obriga depois o Homem – o ser espiritual ou ego –, a escravizar-se totalmente ao ilusório e enganoso poder dos instintos. São os instintos uma espécie de embaixadores do demónio autocriado, que vive, por assim dizer, dentro do nosso próprio coração.

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Homem – aos viscosos laços do vício e da maldade que o prendem à Terra e às suas leis, assim o Homem há-de sublimá-lo até ao ponto de o assimilar a si mesmo, não como demónio, mas como poder anímico, criador de beleza e de força divinizadora. E isto exigirá vidas, muitas vidas ao longo duma persistente linha de aperfeiçoamento moral.

A queda do Homem não teve a finalidade de o perder irremediavelmente, mas de o forçar a uma actividade mais intensa e profícua no sentido de juntar ao seu esforço na senda evolutiva mais eficiência. Apressa, deste modo, a sua graduação para mais altas missões. Gozando e sofrendo, rindo e chorando, nós vamos aprendendo, porque são os contrastes entre a dor e o prazer, a tristeza e a alegria que nos mostrarão como são diferentes e qual o caminho a seguir.

É com o impacto do prazer e da alegria, com as suas impressões duradouras ou fugazes, que aprendemos a escolher o melhor, o que perdura, e rejeitar o efémero.

Desde que ao Homem foi dada a faculdade inestimável de ser juiz dos seus próprios actos colocou-se também à sua mão a possibilidade rara de escapar de tudo quanto é grotesco e, portanto, mau, de elevar-se a mais altas dignidades e poder.

O Homem caiu para se levantar de novo – e não para ficar caído eternamente.

Deus não cria para o Inferno da perdição, mas o Homem, sim!

Deus cria para a mais alta Perfeição; e o Homem, sempre enredado nos tredos laços da carne – que outra coisa não é que terra moldada em nova forma pelo espírito – cria para o Demónio, que não é uma pessoa mas um estado de imperfeição. Por isso o Homem, teimoso na prática do mal, há de mudar, quer queira, quer não, a natureza desse mal em Bem! E só o conseguirá ao longo de vidas e passando por tudo quanto fez passar aos outros, de harmonia com a divina Lei da Causa e do Efeito.

(...)

E tudo isto por via duma vileza sem par!

O que vai ser, agora, o futuro desta vítima da boa-fé e inexperiência? Nem se pode vislumbrar! Tão escuro se mostra o horizonte!

Entretanto, o traiçoeiro sedutor buscará novas presas. Na sua ignorância e maldade ele julga o mundo e as suas coisas por si próprio, medindo tudo e todos por si mesmo, pela sua própria medida. Buscará perder da sua pureza outras donzelas, muito convencido de que tem o direito indiscutível de colher todas as flores para depois as lançar no pestilento lodo das paixões vis. E por isso avança na sua louca e repugnante missão de carrasco. Semeia por onde passa as sementes da torpeza, que algum dia, em vidas futuras, lhe reservarão os seus frutos. O miserável renascerá mais tarde e trará, no alforge do seu Destino, todas estas e muitas outras culpas que a Igreja dominante chama Pecado Original. E então provará, até ao pormenor, todo o mal que brotou das suas loucuras!

E porque o mal teve a sua origem nos seus órgãos da vista, que lhe permitiriam ver a beleza para que a dignificasse, e, em vez disso, a poluiu, a sua punição começará nestes órgãos, que sofrerão deficiências. Verá mal e poderá mesmo nascer cego ou trazer graves deformações oculares, em harmonia com a gravidade dos seus delitos.

A este respeito a Bíblia conta-nos uma história muito interessante e que bem pode ilustrar esta dissertação. Vamos resumi-la:

O rei David viu, certo dia, do terraço do seu palácio, a formosa mulher de um dos seus soldados a tomar banho, descuidada e convicta de que ninguém a surpreenderia na sua nudez. E perdeu o uso da razão o glorioso monarca! Mandou buscar Bathseba, mulher de Urias, para o seu palácio, que depois fez saber ao rei que iria ser mãe. E David sente-se mal colocado, procurando sair da má posição do seguinte modo: dá ordem ao general que conduzia a guerra para que lhe mande apresentar Urias. Depois, tenta levar o soldado a sua casa. Porém, Urias não vai. O rei convida-o então para uma refeição e embriaga-o, mandando-o depois juntar-se a sua mulher, Bathseba. Mas Urias, mesmo embriagado como estava, não aceitou! Opôs-se à vontade do monarca e ficou à porta do palácio real. Então David resolve pela via que lhe pareceu mais fácil: remeteu Urias com uma carta ao comandante da tropa em guerra, mandando-lhe colocar o infeliz soldado na parte mais perigosa, à frente, para que fosse morto. E assim sucedeu! Urias foi varado pelas setas do inimigo, e David levou Bathseba para a sua companhia!

Por ter visto impudicamente, rebaixou o rei a mulher do seu servo e tirou a vida a este!

(...)

Assim diz o Senhor: "Eis que suscitarei da tua mesma casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este Sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei este negócio perante todo o Israel e perante o sol"1.

Todos os delitos que forem cometidos por abuso dos olhos, serão castigados com limitações ou deficiências da vista, que podem ir até à perda total desses órgãos. Qual o preço do crime do rei David? Só porque viu, enlameou a honra e cortou o fio da vida, mandando matar, isto é, arranjando ainda mais um comparsa – Joab, o general do exército em guerra –, que também ficou culpado de assassínio por ordem do seu rei! Certamente que a cegueira foi bem merecida!

Mas, não será apenas com as deficiências da vista, com os distúrbios do aparelho genital para dificultar a sensibilidade que os fez trilhar o obscuro caminho, que ficará saldada a culpa ou culpas!

É forçoso que prove integralmente os efeitos do mal causado tão brutalmente e, por esse motivo, quando renascer mulher, terá que passar pela prova da sedução, do abandono. E desfiará as negras contas daquele mesmo rosário de amarguras que foi a vida das suas vítimas! Passará pelas mesmas humilhações, sentirá todo o peso da desgraça e só ao fim estará livre das suas culpas, porque só então saberá bem avaliar a responsabilidade de cada um dos seus actos, pois provou o gosto que o fado tem.

(...)

Assim como fizeres acharás – diz um velho rifão cheio de sabedoria. O ladrão sempre utiliza a vista para as suas investidas contra a propriedade alheia. Ele renascerá com limitações visuais que serão graduadas pela soma do mal causado.

A vista não foi dada aos seres para que fizessem mau uso dela. Portanto aprendamos a usar bem a vista, para que sejamos dignos de renascer com olhos perfeitos, visão pura.

(Resumo do texto publicado)

Francisco Marques Rodrigues

 

1 2 Sm, Cap. XI e XII.

 




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