O que a Bíblia nos ensina

O Renascimento nas Escrituras Sagradas

IV

Entremos, agora, no exame do Novo Testamento, onde o problema do Renascimento vem tratado em termos que não deixam dúvidas e nos mostram ser doutrina correntemente aceite e defendida pelos Cristãos e pelos seus antecessores – os Essénios.

Referindo-se a João Baptista, Jesus disse:

"Porque este é aquele de quem está escrito: Eis aqui envio o meu Anjo ante a tua face, o qual aparelhará o teu caminho diante de ti. Na verdade vos digo, que não se levantou entre os nascidos de mulheres, outro maior que João Baptista, mas o menor no Reino dos Céus é maior do que ele. E desde os dias de João Baptista até agora, se faz força ao Reino dos Céus, e os violentos o arrebatam.

Porque todos os Profetas, e a Lei até João disseram: "E se o quereis receber, este é Elias, que havia de vir"1.

"Este é Elias, que havia de vir", revela que João Baptista era o próprio Elias. Não se pode interpretar doutro modo esta afirmação do Messias.

Reino dos Céus quer dizer paz de Consciência, nascida de uma elevada pureza, e não um lugar onde possamos estar inactivos.

O menor no Reino dos Céus já está liberto das condições mesquinhas da Terra e por este facto é maior que o maior dos que ainda vivem na Terra, nas condições terrenas.

Desde os dias de João Baptista até agora se faz força ao Reino dos Céus, e os violentos o arrebatam, quer dizer que as condições evolutivas da Humanidade, a partir de João Baptista se modificaram, tornando-se melhores até ao ponto de os violentos, os de vontade forte, poderem vencer as suas imperfeições que lhes criavam dificuldades ascensionais, e entrar mais depressa nesse maravilhoso estado de perfeição que os Cristãos chamam Reino dos Céus.

"Naquele tempo ouviu Herodes, o Tetrarca, a fama de Jesus; e disse aos seus criados: Este é João Baptista; levantou-se ele dos mortos, e por isso obram nele as maravilhas"2.

Aqui, Herodes admite plenamente a ressurreição de João Baptista, ou pelo menos que o precursor tenha utilizado o corpo de seu primo Jesus para se manifestar aos vivos, o que parece mostrar que naquele tempo era crença geral.

E não deve causar pasmo essa crença de Herodes, porque em nossos dias, admitiu-se, no processo para a canonização de Pio X, o depoimento de um advogado de Nápoles – Francesco Balsane – e o de uma freira – Maria Luísa Scorci – que declararam haverem sido curados de gravíssimas enfermidades incuráveis, pelo espírito do falecido Pontífice Pio X!3.

Em todos os tempos os vivos e os "mortos" puderam comunicar entre si, para praticarem o bem, ou para o mal, e a própria Igreja Católica nos dá inúmeros testemunhos deste facto.

"E vindo Jesus para as partes de Cesareia de Filipe, perguntou aos seus Discípulos: Quem dizem os homens que sou eu, o Filho do Homem?"

Eles responderam: "Uns dizem que João Baptista, e outros que Elias, e outros que Jeremias, ou algum dos Profetas".

"Mas vós, quem dizeis que sou eu?"

E Simão Pedro disse: "Tu és Cristo, o filho do Deus vivo"4.

A teoria do Renascimento era a base de toda a religião dos Essénios, que foram os preparadores do advento do Cristianismo. Não admira, por esse motivo, que o Messias, ao examinar os seus alunos ou Discípulos, os interrogasse a respeito desse ponto fundamental da sua crença. E a resposta de Pedro mostra bem claramente como todos acreditavam na antiga teoria do Renascimento e na Ressurreição, pois mostra-nos não somente a sua opinião individual, mas a de muitos, que admitiam que Jesus fosse João Baptista, algum tempo antes assassinado por ordem de Herodes, ou que, se não era o Baptista seria Elias ou qualquer dos profetas antigos.

Um dos pontos que mais contrariaram a aceitação de Jesus como Redentor, foi a condição em que pertinazmente se mantinham os Escribas, de que o Messias não viria sem que primeiramente renascesse Elias. Por esta razão os Discípulos de Jesus lhe perguntaram:

– "Por que dizem os Escribas, que é necessário que Elias venha primeiro?

E Jesus respondeu:

- "Na verdade Elias há-de vir primeiro e restaurará todas as coisas. Mas digo-vos, que Elias já veio, e não o reconheceram; antes fizeram dele quantas coisas quiseram. Assim padecerá também o Filho do Homem".

"Então entenderam os Discípulos que Ele lhes falava de João Baptista"5.

Nestas passagens está o assunto delineado com tão grande clareza que nos dispensamos de o explicar.

Deixemos agora o Evangelho de Mateus e passemos ao de Marcos, onde prosseguiremos na busca de ensinamentos ou de revelações acerca do Renascimento, e aqui encontramos nova edição do que já foi exposto:

Herodes, espantado com os feitos de Jesus, crê que o Salvador seja o próprio João Baptista ressuscitado; outros afirmam que Jesus era Elias ou então qualquer dos famosos profetas antigos6.

E desta maneira se mostra a mesma fé inabalável, a mesma crença na Lei do Renascimento.

Lucas, o Terapeuta ou Médico essénio, faz no seu Evangelho a reedição das mesmas afirmações de Mateus e de Marcos7, indo um pouco mais além deles, naquele encontro dos Saduceus que negavam a ressurreição – e Jesus, a quem interrogam:

- "Mestre: escreveu-nos Moisés que se morrer o irmão de algum, tendo mulher, e morrer sem filhos, que tomasse seu irmão a mulher e levantasse semente a seu irmão. Havia, pois, sete irmãos. E o primeiro tomou mulher, e morreu sem filhos. E o segundo tomou a mulher, e também este morreu sem filhos. E tomou-a o terceiro, e assim também os sete, e não deixaram filhos e morreram. E depois de todos morreu também a mulher. Na ressurreição, de qual deles é a mulher?"

E respondeu Jesus:

– "Os filhos deste século casam-se e dão-se em casamento. Mas os que têm sido julgados dignos de alcançar aquele século, e a ressurreição dos mortos, nem se casam, nem se dão em casamento. Porque já nem podem mais morrer; porque são iguais aos Anjos. E que os mortos hajam de ressurgir o mostrou também Moisés, na Sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, e o Deus de Isaac, e o Deus de Jacob.

Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, por que todos vivem para com Ele"8.

A morte despe-nos da forma terrena, feita do pó da Terra, e por este facto as relações conjugais ficam desfeitas com o falecimento, razão porque desde a mais remota antiguidade se reconheceu à viúva o direito de contrair novo matrimónio.

Os sexos só existem no corpo corruptível, carnal. Por isso, no mundo espiritual não aparecemos como marido e mulher, mas como amigos, inteiramente libertos de condições terrenas. E convém não esquecer que a mais bela forma do amor é a amizade, porque não exige nem oferece retribuição interesseira em troca.

As relações conjugais são necessárias apenas neste mundo, enquanto vivemos em corpos de carne e ossos, para que possamos reproduzir as mesmas formas e manter o equilíbrio no plano evolutivo.

No mundo espiritual não há necessidade dos sexos. Todavia cada espírito possui as duas polaridades mas só faz uso delas enquanto habita o corpo carnal. E só nos reproduzimos enquanto não atingimos a perfeição moral ou espiritual. Porque, chegados a tão alto estado de perfeição, termina a nossa carreira evolutiva e ficamos para sempre libertos das condições terrenas do Renascimento, e então todos seremos cristos ou deuses e neste altíssimo estado não voltaremos a Renascer na Terra. Por este facto o Divino Mestre disse dos que chegam à meta, que já nem Podem mais Morrer.

Estas palavras – Já nem Podem Mais Morrer – só por si, mostram que morremos muitas vezes, e tantas quantas forem necessárias para atingirmos a mais alta perfeição, pois só depois de atingirmos esta não podemos mais morrer, e consequentemente renascer.

E finalmente chegamos ao Evangelho de João, o mais transcendente de todos.

Os Judeus mandaram sacerdotes e levitas a João Baptista, para que os informasse da sua natureza, e os emissários interrogaram-no deste modo:

– És tu Elias?

– E João Baptista respondeu:

– Não o sou.

– És tu o Profeta?

– Não.

– Por que baptizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta?

E João Baptista respondeu:

– Eu baptizo em água. Mas no meio de vós está quem vós não conheceis. Este é o que vem atrás de mim, o qual foi antes de mim, e do qual eu não sou digno de lhe desatar a correia do sapato"9.

Os sacerdotes e os levitas admitiam perfeitamente que João Baptista fosse Elias ou qualquer dos grandes profetas antigos, o que prova que a teoria do renascimento era aceite sem relutância pelo clero judaico.

É interessante o caso de Nicodemos:

"Na verdade te digo, que quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.

Diz-lhe Nicodemos:

– Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?

Respondeu Jesus:

- Na verdade te digo, que quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. Aquilo que é nascido da carne, é carne; aquilo que é nascido do Espírito, é Espírito.

Não te maravilhes de eu te disser: é-vos preciso nascer de novo. O Espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz: porém não sabes donde vem, nem para onde vai: assim é todo aquele que nasceu do Espírito.

Pergunta Nicodemos:

– Como se podem fazer estas coisas?

Respondeu Jesus:

– Tu és Mestre em Israel, e não sabes estas coisas? Na verdade te digo, que dizemos o que sabemos; e ao que vimos, damos testemunho, e nem por isso recebeis o nosso testemunho. E nas coisas terrenas vos tenho falado, e não credes; como crereis, se vos falar nas celestiais?"10.

Não carece de comentário o que acabamos de ler. Foi copiado da Escritura Sagrada, por todas as religiões aceite como sendo a palavra de Deus. Isto basta-nos para que mereça o nosso profundo respeito e portanto aceitemos como certa a nossa volta a este mundo, para recolhermos nele todos os frutos do que semeamos com os nossos pensamentos e acções, que todos esperam por nós, paciente e inflexivelmente, para serem colhidos por nós.

Se não fora assim, como nos aperfeiçoaríamos? Como evoluiríamos nós se não renascêssemos e se não provássemos até às vezes o cálice que por nossa livre e espontânea vontade preparamos ao longo de vidas?

Todos os nossos actos esperam por nós e nos farão saber quanto valem. Por esta via endireitaremos a nossa carga e levaremos a cruz sombria dos nossos corpos até ao cimo do calvário, e ali veremos como deixou de ser negra e se tornou branca, imaculada e refulgente de luz.

À custa dos nossos erros, sempre geradores de sofrimento e de tristeza, nós abriremos os sentidos espirituais e aperfeiçoaremos os nossos caminhos, os nossos modos de pensar e de agir.

Para terminar, ainda mais um caso que nos fala do Renascimento.

– "Rabi, quem pecou? Este, ou seus pais, para que nascesse cego?"11.

Na Lei antiga afirma-se que o Deus de Raça vingaria a iniquidade dos pais nos filhos até à quinta geração, mas não se diz que nestas gerações os personagens alvejados pela vingança divina, eram os mesmos que tinham andado mal e depois Renasceram para recolher os frutos dos seus actos. Mas os pais, Renascendo, viverão nos seus próprios actos anteriores, porque, cada um de nós constrói, com os seus actos, numa vida, o mundo em que depois viverá. Daí a sentença: "Assim como fizeres, acharás".

Porque, não seria justo que pagasse o inocente pelo culpado! Nem os seres Divinos que velam pela nossa evolução nos levariam por tão duros e tortuosos caminhos.

O pai de hoje será filho amanhã, e terá então somente o que mereceu.

Por isso aquele que nasce cego vem indigno de usar um instrumento de que em vidas passadas fez mau uso.

Em que condições renascerá aquele que, por ter visto a beleza em toda a sua plenitude, não a soube ver, mas antes a manchou com o seu impudor e lascívia? Aquele que não se cansou numa vida de abrir às donzelas o negro caminho da podridão moral?

Quem faz mau uso da vista, e por causa dela prostituiu a pureza, é mais que certo que renascerá com limitações visuais, limitações que vão, muitas vezes, até à privação total do uso da vista.

Portanto, quem pecou, não foi o pai do que nasceu cego, mas o próprio cego. E a pergunta mostra ser corrente a doutrina do Renascimento, naquele tempo, visto que o perguntante admite que o cego tenha sido o culpado da sua cegueira, e se assim é, ele só podia ter pecado noutra vida antes desta.

E a doutrina do Pecado Original, onde estriba, senão nas culpas de vidas passadas? Não será essa doutrina uma confissão tácita da Lei do Renascimento?

Todos os cristãos têm como base da sua crença a Lei do Renascimento, e em face dela se preparam para o seu aperfeiçoamento individual, única via segura que leva à inteira libertação das condições mesquinhas e dolorosas da Terra, pela Cristificação.

 

Francisco Marques Rodrigues

 

Notas

l, 2, 4 e 5 Mat – XI, 14; XIV, 2; XVI, 13-14, XVII, 10 e 13.
3 Jornal Novidades – N.º 19.227 de 30-5-1954.
6 Mar VI, 14-16; VII, 27-28: IX, 13.
7 e 8 Luc IX, 7-9, e 18-20; XX, 34 e 38.
9, 10 e 11 Jo I, 15, 21-30; III, 3-4; VIII, 58; IX, 2.

 




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