Conversando com os nossos leitores
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Moisés e o Êxodo
Dois factos justificam o estudo da história e da crítica textual da Bíblia. O primeiro é a perda dos "originais" dos autores bíblicos2. O segundo é a existência de variantes, lacunas, erros, etc., nas cópias dos vários livros. A tarefa de reconstrução do texto "original" da Bíblia requer o conhecimento prévio da história da sua transmissão ao longo do tempo, bem como a procura do sentido que os autores quiseram dar aos seus escritos.
Para o conseguir, é preciso ter em conta que a distância que separa a história original, contada em família e em grupo, oralmente, até ao livro bíblico, escrito, como agora o lemos, é de muitos séculos. E, durante esse tempo, o seu conteúdo e estrutura modificaram-se várias vezes. Só no final do séc, I d. C. é que o cânon da Bíblia Hebreia, o Antigo Testamento, ficou definitivamente pronto!
A tradição oral exerceu uma profunda influência nos copistas que escreveram a Bíblia. Esta tradição serve-se de vários artifícios (estilos) para transmitir os ensinamentos.
O estilo narrativo trata os antepassados e outras figuras religiosas de forma imaginativa, repleta de prodígios que transcendem a experiência do dia-a-dia. E desse modo toma o ensinamento acessível à cultura do povo da época, explica a origem dos costumes, instituições, etc.
Por isso, a primeira tarefa do estudante da Bíblia, depois de identificar o estilo usado pelo autor sagrado, deve ser a de isolar os vários elementos da narração, para os estudar em separado.
Cronologia e Arqueologia
Baseado num sistema cronológico muito usado pelos estudiosos bíblicos, admite-se que a data da fundação do Templo ocorreu no ano 967 a 985 a.C.3
No livro dos Reis (1 Rs. 6, 1), diz-se que a pedra angular do Templo foi lançada 480 anos depois do êxodo. Com base nesta data, calcula-se que a fuga do Egipto pode ter acontecido numa data situada entre os anos 1447 e 1438 a. C., isto é, no século XV a. C., no tempo do faraó Tutmósis III.
Ora, nessa época, a história do Próximo Oriente, nos aspectos social, histórico, político, cultural, religioso, etc., não condiz com a descrição que se faz do êxodo4.
Recorre-se, então, ao apoio de outras ciências, designadamente a Arqueologia, a História a Literatura, etc., para que, reunindo estudos independentes, se possam fazer comparações e situar historicamente os factos que estudamos, obtendo assim uma data mais convincente.
A maioria dos estudiosos inclinou-se então para outra data, com base nos acontecimentos conhecidos da civilização Egípcia. De modo geral, aceita-se agora que o êxodo tenha acontecido no século XIII a. C., quando reinava o faraó Ramsés II, da 19ª dinastia (1290-1224), em vez de no século XV a. C. referido na duvidosa cronologia bíblica.
Resumindo: a avaliação histórico-crítica das tradições associadas a Moisés e à história do êxodo, verifica que não existe prova alguma, bíblica ou extra-bíblica, que permita confirmar os acontecimentos da narrativa do êxodo. Tal estudo leva a admitir que a história bíblica pode ser uma criação literária do autor sagrado, possuidor de razoáveis conhecimentos dos povos mencionados. E, por isso, propõe uma data provável para o êxodo, porque o ambiente histórico conhecido dessa época se concilia melhor com o conjunto dos dados bíblicos, situada no século XIII antes de Cristo, contrariando assim a informação literal das fontes pentateucas.
Importa, portanto, deixar claro que a data sugerida é uma simples suposição, tendo em conta o ambiente provável do século XIII a. C. Não existe prova alguma de quando o êxodo aconteceu, nem sequer se ele aconteceu realmente5.
O Pentateuco
Vamos, então, analisar os dados que encontramos nos livros do Êxodo, Levítico e Números.
O último livro dá-nos a informação do número aproximado de pessoas deslocadas6. Informa que havia 603 550 adultos do sexo masculino capazes de pegar em armas. Se a este número somarmos o das esposas, teríamos, no mínimo, 1 207 100 almas (os costumes da época permitiam o casamento com várias esposas), a que se juntariam os idosos, as crianças e jovens, perfazendo, em números redondos, 2 a 3 milhões de pessoas.
Se prestarmos atenção ao território em que, supostamente, tiveram de sobreviver, vemos que é um imenso deserto que inclui a península do Sinai, onde a fertilidade do solo é nula e a madeira ainda mais rara do que a água. O Êxodo informa que, durante os (simbólicos) 40 anos de permanência no deserto, esta população foi alimentada com um alimento milagroso, o maná. Só uma única vez conseguiram apanhar algumas codornizes7.
No entanto, os livros do Êxodo, Levítico e Números informam que essa gente foi obrigada a sacrificar animais, umas vezes touros, outras carneiros ou cordeiros, durante a sua permanência no deserto.
Alguns desses sacrifícios eram diários. O "sacrifício perpétuo", celebrado todos os dias, de manhã e ao fim da tarde, tornaria obrigatória a existência de rebanhos e manadas consideráveis. O problema da alimentação desses animais, numa terra abrasada pelo Sol, não tem solução. O autor bíblico parece ignorar que, nesse território, longe dos férteis terrenos da Galileia, da Samaria ou de Jerusalém, não havia pasto nem água suficiente, nem sequer lenha com a abundância necessária para acender os fogos em que o ritual mandava queimar as carcassas dos animais sacrificados,
E, além disso, havendo animais, não teriam necessidade do célebre maná.
Conscientes da impossibilidade material desta permanência no deserto, temos de procurar o sentido que o autor divino quis dar aos seus escritos.
A Atlântida
O exame crítico do Pentateuco revela claramente que o autor bíblico usou de especial cuidado para transmitir a sua mensagem. O que parecia ou era perigoso, do ponto de vista da aceitação dessa mensagem, devia ser disfarçado pelo símbolo e a alegoria. Por isso, a mensagem foi colocada num contexto que a tornava "inofensiva".
A mesma técnica, que consistia em permutar o contexto de uma expressão-chave, também foi usada no Novo Testamento. Deu, como sabemos, uma série de insolúveis contradições, que só podem ser resolvidas por quem tiver a "chave" necessária.
O autor bíblico refere-se ao tempo em que, "no princípio do mundo", a jovem Terra arrefeceu e se formou, à superfície, uma camada de rocha solidificada. No princípio, essa rocha flutuava no mar de fogo como o gelo no oceano ou num copo de água. Depois, a condensação do vapor de água da atmosfera deu origem ao maior dilúvio de sempre. Formaram-se os rios e a Terra tornou-se um planeta azul.
Quando essa chuva desabou, a Terra era árida e vazia. Todos os continentes eram autênticos desertos. É a esse imenso deserto, onde a vida humana se começou a desenvolver, que se refere o autor do Pentateuco. A "fuga" não foi de um país chamado Egipto8, mas dos locais que, por acidentes vulcânicos, ficavam inundados e sem condições para viver. A "terra prometida" é todo o nosso planeta e não apenas a diminuta Palestina e aos seus arredores.
Para contar tudo isso, o autor usou nomes de pessoas e terras que não tinham nenhuma relação entre si. E isto é preciso ter em conta na leitura desta obra maravilhosa.
Conclusão
Vemos, assim, que o Pentateuco é a peça mestra da Bíblia Hebraica, o A.T. Tem muito mais valor e sabedoria do que geralmente se lhe atribui. O que nele encontramos é a exposição da cosmogonia judaica, que foi inteiramente adoptada pelo cristianismo.
Mal compreendida, essa cosmogonia travou muito o desenvolvimento da ciência. Serviu para condenar Galileu no século XVII. E no século XX esteve na origem do processo movido contra o professor Scopes, por ensinar aos alunos a conhecida teoria da evolução.
O que parece evidente, é que a crítica científica não retira aos escritos bíblicos a sua auréola de sabedoria, como pretendem alguns filósofos materialistas.
As conclusões da análise científico-rosacruciana do Peutateuto, que nem os defensores mais obstinados da religião, nem os filósofos materialistas ousam já refutar, mostram os métodos que devem ser adoptados para estudar a literatura cristã antiga.
Este método recupera a sensibilidade do estudioso para o símbolo e a alegoria, como via para aproximação à verdade dos textos bíblicos
F. C.
Glossário
Bíblia. Em grego, os livros, e também, o livro por excelência. Abrange no judaísmo: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. São a Tora (Lei) ou Pentateuco mosaico. Seguem-se outros livros, totalizando 39. Os Protestantes também contam com 39 livros no Antigo Testamento, enquanto que os Católicos admitem 46. Diga-se ainda que a divisão da Bíblia em "capítulos" se deve a Estêvão Langton (1226) e em "versículos" numerados ao orientalista Pagnino (1528).
Cosmogonia. Relato da origem do mundo. Está muitas vezes associado aos mitos e às religiões. Existem várias cosmogonias. Na China, a cosmogonia está baseada no ying-yang e no I Ching (2852 a. C). Na cultura grega, Hesíodo, na sua Teogonia, também nos transmite a ideia da oposição de forças no cosmo.
Cronologia. Estudo das divisões do tempo e das datas históricas.
Notas
1. Nesta secção dá-se resposta às perguntas dos leitores, sempre que o assunto a justifique e o espaço permita.
2. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 2ª ed., Lisboa, 1989, pág. 253.
3. O sistema cronológico adoptado é o de Edwin T. Thiele: The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 3ª ed., 1983. Outro sistema, muito usado nos E.U.A., é o de William F. Albrigh: The Chronology of the Divided Monarchy of Israel, 1945.
4. A data é aparentemente plausível. A 18ª dinastia egípcia tinha expulsado os Icsos e alimentou, provavelmente, uma certa aversão pelos asiáticos, que se teria abatido sobre os Hebreus. No entanto, parece evidente que os dados conhecidos sobre os Icsos e os Hebreus da época não se relacionam com as tradições bíblicas. Nem os nomes, nem a estratégia dos Hebreus correspondem aos relatos da conquista em Josué e nos Juízes.
5. Norman K. Gottwald, Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, Edições Paulinas, 1988, pág. 188-189.
6. Números: 1, 19 e 45-46.
7. Êxodo, 16, 11-13 e 35.
8. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 2ª ed., pág. 263-264.
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