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Fausto

João Fausto, famoso mago alemão, nasceu em Weimar, no começo do século XVI. Génio audacioso, curiosidade indomável, imenso desejo de saber, tais eram as suas qualidades. Aprendeu medicina, jurisprudência, teologia e aprofundou-se na astrologia.

Quando esgotou o conhecimento das ciências naturais começou a praticar a magia, segundo referem todas as suas biografais.

Muitas vezes, confunde-se Fausto com Fusta, sócio de Gutembergue na invenção da imprensa. Sabe-se que quando apareceram os primeiros livros impressos, atribuiu-se o facto à magia! Afirmou-se que eram obra do demónio e, se não fosse a protecção de Luiz XVI e da Sorbona, a imprensa, ao nascer, teria sido sufocada em Paris. Seja como for, passemos a relatar os principais traços da lenda de Fausto.

Desejoso de se ligar aos seres do mundo invisível, Fausto descobriu a terrível fórmula para entrar em contacto com os espíritos. Primeiramente, absteve-se de fazer uso dela; mas, um dia em que passeava nos campos com seu amigo Wagner, avistou um cão negro que corria em círculos. Aterrado, Fausto detém-se. Os círculos que o cão formava tornavam-se cada vez menores até que ele se aproximou de Fausto, lambendo-lhe a mão. O sábio volta pensativo para casa e o cão seguiu-o. Quando se achava só, sentiu-se invadido de negras ideias. O cão surpreendeu-o com os seus uivos. Fausto encara-o e fica admirado de vê-lo aumentar de tamanho. Percebe que é um espírito mau. Lança mão do seu livro mágico, coloca-se num círculo, faz o ritual e ordena ao espírito que se faça conhecer. O cão agita-se, fica envolvido por denso nevoeiro e, em seu lugar, o sábio vê um jovem fidalgo, vestido com elegância.

Era o demónio, Mefistófoles.

Diversas lendas referem-se a esse facto, com variantes. Widman diz que, tendo decidido evocar um demónio, Fausto se dirigiu à espessa floresta de Mangeall, perto de Vutemberga; lá, ele traçou no chão um círculo mágico, colocou-se no centro e pronunciou a fórmula de conjuração com tanta rapidez que, em torno dele, se ouviu um espantoso estrondo.

De súbito, surgiu uma massa de fogo que, a pouco e pouco, toma forma de um espectro. Este aproximou-se do círculo, sem nada dizer e, com passos incertos, circunvagou, durante um quarto de hora. Finalmente, o espírito revestiu a forma de um monge cinzento entrou em conversação com Fausto.

O sábio assinou com o seu próprio sangue, em pergaminho virgem e com a pena que lhe apresentou o demónio, um pacto pelo qual Mefistófeles se obrigava a servi-lo durante vinte e quatro anos, após os quais Fausto pertenceria ao inferno.

Widman, na sua Historia de Fausto, relata as condições desse pergaminho, cuja cópia se diz ter sido encontrada entre os documentos do doutor. Estava escrito com tinta de um vermelho escuro e estipulava: 1º – que o espírito obedeceria às ordens de Fausto, aparecendo em forma tangível e tomaria a forma que lhe fosse ordenada; 2º – o espírito faria tudo o que Fausto lhe ordenasse; 3º – que ele seria fiel e submisso como um escravo; 4º – que lhe apareceria a qual hora que fosse chamado; 5º – que, em casa, não se deixaria ver nem reconhecer senão por Fausto.

Por sua vez, Fausto entregar-se-ia ao espírito, sem reserva de nenhum direito à redenção, nem de futuro recurso à misericórdia divina. Em sinal desse contracto, o demónio deu-lhe um cofre cheio de ouro; é, então, que Fausto se torna um senhor no mundo, percorre-o com toda pompa. Ia sempre montado em ricas equipagens, acompanhado pelo seu espírito.

Um dia viu ele, numa aldeia de Rosenthal, uma jovem ingénua que Widman representa como ultrapassando em graça todas as belezas da terra e que ele chama de Margarida. Fausto ficou enlevado.

Mefistófeles, para o desviar dessa paixão perigosa, levou-o à corte. Carlos V, conhecedor dos seus talentos mágicos, pediu-lhe que fizesse aparecer Alexandre, o Grande; imediatamente, Fausto obrigou o famoso rei da Macedónia a aparecer. Este surgiu sob a figura de um homem gordo e baixo, corado, com uma espécie de barba ruiva, olhar penetrante e porte altivo. Fez ao imperador uma reverência e dirigiu-lhe umas palavras em língua estranha. Carlos V era obrigado a manter-se silencioso. Tudo o que pôde fazer foi observá-lo bem, assim como a César e outros personagens que Fausto também invocou.

O mago operou mil maravilhas semelhantes. A dar crédito seus historiadores, ele usava indiscretamente os seus poderes sobrenaturais.

Um dia, estava à mesa, em companhia de doze ou quinze bebedores que tinham ouvido falar de seus prestígios. Pediram-lhe que lhes fizesse ver algum prodígio e fizesse aparecer uma parreira com cachos de uvas. Ora, como estavam em Dezembro, julgavam que ele não pudesse operar semelhante prodígio.

Fausto respondeu-lhes que, imediatamente, sem saírem da mesa, iriam ver uma parreira como pediam. Mas impôs uma condição: a de ficarem em seus próprios lugares e esperarem ordens suas para colherem as uvas. Todos prometeram obediência. O mago fascinou tão bem os olhos dos presentes, já embriagados, que estes viram surgir uma bela parreira carregada de tantos cachos, quantos os convivas. Essa visão deslumbrou-os e cada um tomou uma faca, aguardando ordens de Fausto para cortar seu cacho, ao primeiro sinal. Fausto divertiu-se durante algum tempo, mantendo-os nessa curiosa atitude. De repente, fez desaparecer a parreira e as uvas.

Cada conviva, julgando ter na mão um cacho de uvas para cortar, verificou que segurava o nariz do vizinho1! Wecker diz que Fausto não apreciava barulho e que muitas vezes, pela sua força mágica, fez calar muitas pessoas que o importunavam.

Fausto não se esquecera de Margarida, mas o espírito afastava-o dela tanto quanto podia, como diz Widman, porque, pertencendo ao inferno pelo seu pacto, Fausto não tinha o direito de se unir pelos laços do casamento. Por isso, Mefistófeles desviava-o sem cessar. Quando terminou o prazo estabelecido no pacto, Fausto estremeceu ao pensar na sorte que o aguardava. Procurou refugiar-se em igrejas e noutros lugares santos para implorar a misericórdia divina; Mefistófeles impediu-o e conduziu-o, tremendo, à mais alta montanha de Saxe. Fausto quis entregar a alma a Deus.

– Desespera e morre – disse-lhe o espírito – agora tu és nosso.

A essas palavras, o espírito das trevas apareceu a Fausto sob a forma de um gigante, alto como o firmamento; os seus olhos flamejantes lançavam raios, a sua boca vomitava fogo e os seus pés abalavam a terra.

Agarrou sua vítima com uma gargalhada que retumbou como trovão, estraçalhou o corpo e precipitou a alma no inferno.

Veja-se o resultado das más companhias!

Dissemos que a descoberta da imprensa fez que Fausto fosse perseguido como feiticeiro; dizia-se que a tinta vermelha era sangue, verdade é que ela tinha um brilho especial e, podia-se crer, pelo menos naquele século de ignorância, que o segredo tinha sido dado pelo demónio. Afirma-se que ele espalhava na Alemanha almanaques que, ditados por Mefistófeles, tinham previsões sempre exactas e que conquistava maior sucesso que os de Matthieu Laensberg, que tinham alguns erros. Entretanto, nunca se encontraram esses almanaques!

A vida de Fausto e de Christoph Wagner, seu criado, também mago, como o seu amo, foi escrita por Widman, em Franqueforte, no ano de 1587. Foi traduzida em muitas línguas e, em francês, por Victor Palma Cayet, na cidade de Paris, no ano de 1603.

Adelung consagrou-lhe um extenso artigo em sua História das Loucuras Humanas. Todos os demonólogos falaram dele.

Goethe relatou as suas aventuras num drama dialogado2.

J. C. P.

 

Notas

1. Visões hipnagógicas. Desde as experiências do padre Atanásio Kircher (1601-1680) e, depois, com Frederico A. Mesmer (1733-1815), José Bálsamo, o conhecido "Conde de Gagliostro" (1743-1795), e João Charcot (1825-1893), que se conhecem estes fenómenos hipnóticos. Cf. Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 3ª ed., Lxª, 1998, pág. 385.
2. Há três versões portuguesas do poema dramático de Goethe: a tradução de António Feliciano de Castilho, edição da Livraria Civilização, Porto, 1938 (2 volumes); id., id., 1963, 1 volume; a tradução de Agostinho d’Ornellas, com prefácio de Paulo Quintela, edição. Relógio d’Água, Lisboa, 1987; e a versão de Gérard de Nerval, com tradução de Luiza Neto Jorge, Editorial Estampa, Lisboa, 1984.
Os apreciadores de ópera poderão deliciar-se com a adaptação de Charles Gounod, com libreto de Jules Barbier e Michel Carré.
Recomenda-se a leitura prévia dos Mistérios das Grandes Óperas, de Max Heindel.




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