FILOSOFIA

Natal

Estamos agora na época mais espiritual do ano. Os dias são menores e as noites maiores; o frio faz recolher o sangue ao interior dos nossos corpos e, assim, o espírito não pode se expandir à sua vontade no plano físico. Fica confinado no âmbito das condições terrenas. Por isso, é que a vida humana, nesta quadra, é muito mais espiritual, ainda mesmo quando tudo parece indicar o contrário. E porque a vida do espírito é mais intensa, é que os nossos corações se inclinam muito mais à piedade – porque estamos agora muito mais aptos para as coisas espirituais do que para as terrenas.

Natal! Que belas oportunidades temos nesta ocasião para purificar os nossos corações, renascer para as coisas divinas!

Em todo o hemisfério Norte o Sol parece ter-se aproximado o mais possível da Terra e, por isso, sentimos muito melhor a acção espiritual desse glorioso ser que do astro-rei não só nos ilumina e aquece mas que também nos encaminha na senda espinhosa do aperfeiçoamento. Paulatinamente, eleva-nos do mais baixo nível espiritual ao mais alto estado celeste. E por tudo isto é que nos parece que o Céu anda mais perto da Terra! É que o tempo sombrio e triste que tem o seu começo quando as folhas de certas árvores e plantas começam a perder a sua cor verde, amarelecendo e caindo, e se prolonga até que voltem a rebentar, a florir e a cobrir-se de folhas, é também o mais propício para a vida interior, a vida espiritual ou superior, que se atinge pela reforma de todos os nossos maus hábitos, que devem ser transformados pela alquimia da vontade sublimada. Assim como a seiva é forçada a recolher ao interior dos troncos das árvores e plantas, necessitadas de repouso para poderem crescer convenientemente, assim acontece também aos seres humanos: em cada ano que passa temos de recolher-nos, para armazenar novas energias anímicas. São estas energias que nos preparam para a vida celeste ou divina. E tudo se conjuga com o tempo frio, com os seus variados graus de rigor, a chuva, o mau tempo que tanto nos incomoda e faz sofrer. É a bela oportunidade que temos para buscarmos o Cristo que está dentro de nós mesmos, nossos próprios corações onde passa constantemente todo o nosso sangue. É por este motivo que entre o coração e o espírito existe a mais íntima relação. Nós somos cristos a vivermos em corpos físicos. Vimos a este mundo tantas vezes quantas forem necessárias para nos cristificarmos, para nos tornarmos CRISTOS. Esta é a grande finalidade das nossas existências e a razão de renascermos tantas vezes quantas forem necessárias, em corpos diferentes mas de crescente perfeição e vigor. Pena é, e muito grande, que não conheçam estas coisas todos os seres humanos, porque aproveitariam melhor as suas oportunidades nesta época do ano e tudo iria de bem a melhor!

Quando as árvores e as plantas voltam à vida, acordam do seu longo sono, que tem semelhança com a morte, e se cobrem novamente de flores e de folhas, começa para o ser humano uma nova época de expansão material, sendo todo o pendor para os prazeres de natureza material, terrena.

Estas duas épocas do ano contrabalançam-se, produzem o equilíbrio necessário e admirável para dar à nossa evolução o necessário impulso vigorizador.

Quando o sol, assento físico do Cristo Cósmico, permanece mais perto da Terra, os dias são os mais pequenos e as noites maiores, o calor fecundante desaparece. Dá lugar ao frio e, assim, é-nos dada uma nova época de crescimento anímico; pela mesma razão, quando o Sol se afasta da Terra e na medida em que vai subindo para o hemisfério Sul, os seus raios vão sendo cada vez mais quentes e criadores. A sua influência vai sendo gradualmente mais forte no sentido material, físico e terreno, o que faz circular o sangue mais livremente e do interior até à periferia do corpo, o que nos lança nas actividades materiais com maior entusiasmo. E por mais esforços que façamos por uma vida espiritual intensa, sempre havemos de pender para as coisas físicas, para tudo quanto pode servir ao corpo, ainda mesmo que o não desejemos. Todas as manifestações religiosas estão impregnadas de manifestações físicas, como podemos descobrir nas festividades religiosas, onde o religioso e o profano se associam sempre.

Desde que o Sol entra no signo zodiacal da Balança e até que chegue ao de Capricórnio, parece que a vida sofre uma depressão e, por isso mesmo, as árvores e as plantas de folha caduca começam a recusar às suas folhas a seiva nutritiva, o que as faz desmaiar, amarelecer e cair, ficando os troncos nus. E pelo mesmo tempo, entre Outubro e Dezembro, todos sabemos como a saúde das pessoas de vitalidade débil é afectada e como tantas morrem. Tudo isto é devido ao enfraquecimento do poder vital dos raios solares. Por isso, quando o Sol entra no signo do Capricórnio, celebra-se o Natal, o nascimento da vida, porque ao entrar neste signo logo o Sol inicia o seu regresso para o hemisfério Norte. E, como todos sabem, os dias começam logo a crescer, porque o Sol vai subindo novamente para o Norte. Os seus raios tornam-se cada vez mais quentes, fecundantes, trazendo a esta parte do mundo a vida, a alegria, a abundância de frutos e de felicidade, para os seres humanos e para todos os outros seres que vivem na Terra. Daí a saudação angélica: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!1.

É pelo Natal que os nossos corações estão propensos ao amor na sua mais divina expressão, despido daquela terrena materialidade e, por isso mesmo, estamos bastante mais inclinados ao perdão. Mas quando o tempo está fortemente aquecido e os dias são maiores, os nossos corações vibram fortemente em harmonia com as coisas terrenas e, por esse facto, o amor desce da sua espiritualidade e manifesta-se dos modos mais grosseiros. Porém, as duas manifestações do amor são necessárias e benéficas para os seres humanos, que deste modo aprendem a buscar a harmonia em tudo, pelo que descobrem nos contrastes desse mesmo poder. Não resta dúvida: o amor é um poder que todos dispomos; uma força de atracção que tem duas fases: numa, manifesta-se o que é divino, harmonioso, belo; noutra, vem à manifestação tudo quanto é vil, grosseiro, egoísta, separativo e, portanto, mau. À primeira fase se chama amor criativo e redentor; à segunda, amor destrutivo, entorpecedor, ódio. A primeira é nitidamente positiva; a segunda grosseiramente destruidora, devoradora de tudo quanto possui beleza e altura espiritual.

Entre as duas manifestações de vida, dadas pelo Sol na sua viagem anual, os seres humanos encontram oportunidades excelentes para o seu desenvolvimento, mas só muito lentamente podem perceber as vantagens duma vida elevada e por isso mesmo as lições vão sendo aprendidas com maior lentidão. Necessitamos de observar e seguir as leis da Natureza, se queremos aprender magistrais lições que nos ajudarão a vencer os nossos atavismos e a entrar mais profundamente no caminho da perfeição, ensinada pelo cristianismo místico.

E porque o Natal marca o centro daquela época em que os nossos corações revelam maior inclinação para o amor que leva a perdoar, andaríamos todos muito bem se meditássemos sobre as enormes vantagens do perdão, e ainda melhor se perdoássemos àqueles que nos ofenderam. Porque nós, cristãos místicos, bem sabemos que o pior castigo que podemos infligir aos nossos inimigos é perdoar-lhes! Eles sentirão depois o remorso emergente do mal que nos causaram e poderão emendar-se, ou receberão em cheio aquele castigo que merecem. Por este motivo, é que o Messias recomendou encarecidamente aos que deviam disseminar a sua doutrina: perdoai sempre e amai os que vos querem mal.

Francisco Marques Rodrigues

 

1. Esta saudação foi alterada para "... e paz na Terra aos homens que Deus ama", deixando de se reconhecer a importância da vontade humana no desenvolvimento espiritual.


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