Filosofia

O Renascimento e as Religiões

Mais de um bilião de pessoas espalhadas do Oriente ao Ocidente segue uma religião que assenta na crença do aperfeiçoamento ou evolução por meio de renascimentos sucessivos, ora como homens ora como mulheres; cerca de novecentos milhões desviam-se desta crença confessando-a! Neste número estão os Católicos – Romanos e Liberais – os chamados Protestantes, que "nasceram" dos Católicos Romanos, e os Ortodoxos. Mas, veladamente, confessam crer na lei do renascimento quando aplicam o seu primeiro sacramento contra o Pecado Original! Desta maneira, lógica e inteligentemente se conclui que, se estes novecentos milhões de crentes aplicam a seu primeiro sacramento contra o Pecado Original, o pecado que ao nascer todos trazem já consigo da origem, é porque já tinham pecado antes de nascer! Mas, antes de nascer, que pecados poderíamos ter cometido, se a nossa vida era do estado celeste!

A teoria do Pecado Original está muito nebulosa! Muitos fiéis perguntam aos seus guias espirituais, como é possível o pecado antes de nascer. E eles tiveram a necessidade imperiosa de esconder a verdade, arquitectando então uma culpa que teria sido lançada sobre todos. E esta culpa foi de Eva e Adão e também de nossos pais que nos trouxeram ao mundo!!!

Aqui é que a inteligência e a lógica se levantam para negar tal afirmação, pois se os seres nascem dotados de órgãos para se reproduzirem, e o uso desses instrumentos maravilhosamente arquitectados é pecaminoso, então a culpa ou pecado não é dos nossos progenitores, mas do próprio Criador que nos dotou com eles para o fim de abrir ao renascimento uma ampla porta aos seres humanos. Se assim não fosse, se não renascêssemos, não haveria progresso, não evoluiríamos e a obra do Divino Criador seria duma grave imperfeição! Portanto, se para viver bem a vida temos de casar-nos, Deus teria toda a culpa e seria o único pecador por nos ter feito assim. Nestas condições a nossa inteligência rejeita inteiramente a teoria do Pecado Original, no pé em que as religiões a colocam, por ser manifestamente falsa.

Se ao nascer já trazemos o Pecado Original, é porque noutras vidas anteriores o criámos. Porque, pecado é vício, é transgressão à Lei Divina, que nos ensina o amor e não o ódio; o perdão e não a vingança; a verdade e não a mentira. Por isso os Cristãos ensinaram e continuam a ensinar que Deus É Amor. E sendo assim, Deus não pode ser cruel nem imperfeito! O Homem, Criação Divina, é que veio ao Mundo para lutar com a matéria e para a vencer, para se apossar dela e a dominar inteiramente. Mas, enquanto cria poder para tal fim terá de ser dominado por ela, e nestas condições é que peca, erra, é vicioso e mau! Depois, como o que somos numa vida prepara o que havemos de ser na seguinte, a esse rosário de culpas se convencionou chamar pecados, e ao conjunto se chama Pecado Original, pecado que sempre espera por nós e nos compele, de vida em vida, à prática dos mesmos hábitos. Por isso, ao aplicar o Baptismo contra o pecado original, o que pretendem as religiões que negam o renascimento é fomentar a ignorância desse passado e criar novas condições para o futuro, melhores que as do passado. Mas, ignorando a verdade não podem inculcar princípios redentores, porque os próprios clérigos também possuem o seu Pecado Original, e tantas vezes são vítimas dele!

Católicos Romanos, segundo uma estatística que temos presente, de origem católica, são, em todo o mundo, 500.500.000; Ortodoxos, que se aproximam bastante mais que os católicos dos princípios cristãos 163.200.000; Protestantes, que limitam a sua crença à letra dos evangelhos, 254.300.000. Todos juntos dão o total de 918.000.000 de crentes. Porém entre estes estão os rosacrucianos, os teosofistas e os espíritas, que aceitam como certa a Lei do Renascimento e de causa e efeito, que são alguns milhões em todo o mundo. Porque, nem os rosacrucianos, nem os teosofistas, nem os espíritas constituem, por enquanto, uma religião! Mas, como cada um destes grupos possui a necessidade duma religião, eles conservaram a sua religião de família, em regra a católica, por ser mais conforme com as escolas rosacruciana e teosófica, pois o catolicismo possui muita sabedoria oculta, muito ocultismo. De tudo isto se conclui que a negação do Renascimento, por parte das igrejas Católica Romana e Protestante, não destrói a verdade! E, pelo contrário, faz nascer o desejo e, muitas vezes até, a ânsia de conhecer a verdade. Por isso mesmo cada vez mais se encontram desertores destas religiões: uns para caírem no materialismo pela sua descrença, outros para ingressarem nas escolas onde aprendem o porquê das coisas, regressando, por vezes, às suas religiões mais convictos, mais sinceramente crentes. Nós não estamos interessados em fazer prosélitos, nem retermos por juramentos ou de qualquer outra maneira, as pessoas que nos procuram e connosco aprendem. Cada um é livre para vir até nós e para nos deixar, pois respeitamos a liberdade de consciência de cada um, e tudo quanto fazemos, de graça o damos. A religião nunca deve ser imposta, nem os seus ministrantes devem ser orgulhosos, nem tirânicos com os seus fiéis, porque Deus É Amor e portanto os clérigos devem converter-se em sacerdotes e comportarem-se mais amorosamente com os crentes e com os que não possuem crença alguma, porque, pela imposição mentirosa nunca se conseguirá senão revoltar, indispor, afastar. E a missão do clérigo deve ser exercida amorosamente, sempre tolerante, compassiva.

A Humanidade vai sendo cada vez mais racional e, por isso mesmo, não pode aceitar certas fórmulas cerradas que as religiões teimam em impor-lhe. As religiões não evoluíram e por isso vão sendo abandonadas por muitos, cuja inteligência não pode já aceitar antiquados princípios. Insistir neles é contribuir para um maior desmoronamento das religiões.

O que somos numa vida prepara o que havemos de ser na seguinte. Portanto, se queremos melhor sorte temos de prepará-la enquanto vivemos neste Mundo.

Todas as religiões ensinam que Deus é sumamente bom, justo, perfeito. Muitas, falando de nós, dizem que fomos feitos à sua imagem e semelhança e que descemos à Terra para tomarmos contacto com as suas leis e assim nos graduarmos como seres divinos e nos convertermos em deuses criadores também, e que morrendo e voltando a – "Deus mata e guarda em vida; faz descer à sepultura e faz subir dela"1, "a terra dará de si os seus defuntos"2 – nós havemos de obter as experiências necessárias para nos graduarmos como deuses. Outras, menos lógicas e até absurdamente ensinam que só temos uma vida e que finda ela ou iremos para o Céu ou para o Inferno!

É neste ponto que a inteligência humana se revolta por haver surpreendido o absurdo, pois se num lado se ensina que Deus é sumamente bom, tolerante, caritativo e inclinado ao perdão, como poderemos compreender que no outro se ensine que arremessa os seus Filhos menos inclinados à pureza nas penas eternas dum Inferno, sem dó nem piedade?

Se aceitássemos tais afirmações como verdadeiras, tínhamos de concluir que Deus era um tirano da pior espécie, porque não se pode ser, ao mesmo tempo, sumamente Bom e sumamente Mau! Não está certo este conceito de Deus e por isso a onda de materialismo avança cada vez mais, por falta de confiança na religião e nos seus ministros.

As religiões que arrogantemente procurarem impor um Deus cruel e vingativo, como se fez nos tempos em que a Humanidade ainda estava no maior atraso mental e moral, perdem terreno, porque o tempo em que só por esse meio se fazia alguma coisa passou há muito. Agora é necessário falar ao coração e ao cérebro dos fiéis, para que possam compreender a sua religião e por ela se tornarem melhores. De outro modo será baldado todo o esforço, a descrença invadirá as almas, o materialismo dominará plenamente.

Adão e Eva nunca existiram! Eles são figuras simbólicas que nos falam duma época em que éramos mais puros e inocentes e de outra em que se perdeu a inocência e nos fizemos o que somos agora – os piores seres que vivem neste mundo!

O pecado de Adão e Eva não é mais do que a perda que sofremos da nossa primitiva pureza, para o que largamente contribuiu a licenciosidade em que saiu a Humanidade. Por isso mesmo o pecado de Adão e Eva é o pecado que ainda agora se comete e tanto sofrimento acarreta aos seres humanos. Renascemos apara resgatar o passado, mas vamos caindo sempre nas mesmas faltas e assim, de vida em vida temos de sofrer as consequências dos nossos erros, que são personificados nessa figura hedionda que as religiões chamam o Diabo, e que sempre nos persegue, de vida em vida, tentando-nos e até compelindo-nos a cometer os mesmos erros de vidas passadas.

O ego ou espírito é eterno; o corpo é mortal. Assim como se fez dos elementos da terra, assim há-de voltar a esses elementos, e a isto se chama a morte.

O espírito prepara as suas vidas terrenas, os corpos que quer, e quando já não necessita deles abandona-os no momento da morte, voltando à sua Pátria Celeste, donde virá novamente à vida terrena tantas vezes quantas forem necessárias para se aperfeiçoar, para ser um Deus.

Nunca percebemos a razão profunda porque a Religião Católica se desviou da antiga doutrina do Renascimento, ensinada pelos cristãos e por todas as religiões antigas. Mas a verdade é que o seu primeiro sacramento, o do Baptismo, fala-nos bem alto das vidas passadas, como já vimos.

Nem os pais pecaram ao trazerem para o Mundo os seus filhos, porque apenas cumpriram o preceito divino que nos ordena: "Crescei e multiplicai-vos". E se isto fosse pecado, não seria ordenado por Deus, nem Ele nos daria órgãos para o pecado. Ele ordenou a Jacob: "frutifica e multiplica-te; procederá de ti uma Nação, um ajuntamento de nações; Dos teus lombos sairão reis"3.

E depois disto mudou o nome a Jacob, que passou a chamar-se Israel.

O que convém é que a vida matrimonial decorra em meio da maior castidade, como acontece com as plantas, que vestem o que possuem de mais rico e belo para o seu noivado, reproduzindo-se com a maior pureza. Por isso é que se levam as flores ao casamento dos humanos, para recordar aos noivos que devem proceder tão castamente como o fazem as plantas, porque só assim estão isentos da luxúria que gerou o pecado que atormenta os seres humanos de vida em vida e os culmina de ilusões e sofrimentos, e a Igreja Católica chama Pecado Original.

Se não fossem os renascimentos sucessivos, ora num sexo, ora noutro, como poderíamos cuidar do nosso aperfeiçoamento? E como se justificariam os destinos humanos, sempre tão diferentes e por vezes brutais?

Sendo Deus a suprema perfeição, como criaria tanta miséria como nós vemos neste mundo, onde se nasce louco ou com apurado juízo, doente, chagado mesmo, aleijado, cego, disforme ou perfeito, de exuberante saúde? Não podemos aceitar a teoria dos nascimentos sob o ponto de vista Católico Apostólico Romano! E assim prestamos humildemente a nossa homenagem ao Criador, a Quem julgamos incapaz de criar tanta imperfeição e desgraça, atribuindo a nós mesmos a culpa dos nossos destinos. Aquilo que nós semeamos isso mesmo havemos de recolher algum dia. Todos os nossos actos esperam por nós e talham os nossos destinos. Por isso do bem ou do mal que temos só nós somos os causadores.

Deus seria infinitamente mau, cruel, se criasse os seres como nós os vemos tantas vezes.

Deus cria em perfeição absoluta; o Homem, pelo contrário, criado à sua imagem e semelhança, cria imperfeitamente, porque ainda não atingiu a perfeição, e por isso é o autor de todas as imperfeições que o rodeiam. Algum dia se cansará de criar imperfeitamente, e então ele desejará criar em perfeição absoluta, estará já muito perto de Deus.

"O Senhor mata e guarda a vida", quer dizer que mata o corpo mas não a vida, não o Espírito, que fica para voltar; "faz descer à sepultura, e faz subir dela", isto é, faz descer o espírito ao corpo, para nele buscar perfeição, e por fim, quando o corpo já não presta, fá-lo descer à sepultura e faz o espírito ascender ao estado celeste, donde tinha vindo. "A terra dará de si os seus defuntos", isto é, os que se foram desta vida voltarão novamente a ela, para continuarem o trabalho do seu aperfeiçoamento. Simplesmente já não voltam nos mesmos corpos, mas noutros mais perfeitos.

Certo dia os clérigos mandaram a João Baptista emissários para que ele lhes dissesse quem tinha sido em vidas passadas – pois eles esperavam que o Profeta Elias renascesse. E os emissários fizeram assim a pergunta: "És tu Elias?"4.

Desta pergunta se infere que o Renascimento era conhecido entre eles.

Os discípulos perguntaram a Cristo: "Mestre, quem pecou? Este ou seus pais, para que nascesse cego?" E Jesus respondeu:

"Nem este pecou, nem seus pais; mas foi para manifestarem-se nele as obras de Deus"5.

O cego, nesta vida não tinha pecado; nem seus pais; mas o que acontecia era a manifestação da lei de causa e efeito, era a punição de delitos praticados por ele em vidas passadas; era a Divina lei de causa e efeito que sempre nos assegura a colheita de tudo o que semeámos em vidas passadas.

"Na verdade te digo, que quem não nascer de novo não pode ver o reino de Deus"6.

"Nascer de novo" não é emendar o erro nesta vida, mas renascer. Só pelo renascimento nós podemos vencer o passado, mudar definitivamente os nossos hábitos, por forma que deles separemos tudo quanto é inferior e mau. Só pelos renascimentos nós, passando pelas mesmas provas que demos aos outros, podemos aquilatar do valor real das nossas acções e separar delas tudo quanto for grotesco, vil, mudando as nossas vilezas em virtudes. Jesus, falando de João Baptista, seu primo, e enaltecendo as suas qualidades diante dos seus discípulos, afirmou-lhes "E se o quereis receber, este é Elias, que havia de vir"7.

Cristo é muitíssimo claro nesta afirmação a respeito do renascimento. Ele deixa aos seus ouvintes a liberdade plena de acreditar no que afirmou, quando diz: "se o quereis receber" isto é, se quereis acreditar, este João Baptista é Elias.

Quer as Igrejas dominantes no Ocidente aceitem, quer não, as Escrituras Sagradas ensinam a Lei do Renascimento e da Evolução. E é nelas que temos de basear a nossa fé, que deste modo se torna mais esclarecida e por isso mesmo muito mais forte.

Nós somos cristãos e, por isso, o que nos interessa é a sabedoria contida nos escritos sagrados e nos símbolos arcaicos. Portanto, não somos uma religião, mas uma escola filosófica. Mas nutrimos pelas religiões existentes o maior respeito, porque sabemos que todas possuem alguma verdade que pode ser útil às almas dos seus fiéis. Seguimos Cristo, buscando ser cada vez mais perfeitos e sabedores, mais justos e servidores desinteresseiros dos nossos semelhantes.

Dezembro de 1961
Cristófilo

Notas

1 1 Sam 2, 6.
2 Is 26, 19.
3 Gén 35, 11.
4 Jo 1, 21.
5 Jo 9, 2-3.
6 Jo 3, 3.
7 Mat 11, 14.




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