Mensagem de Reflexão para o mês de Fevereiro

 

A dúvida é um dos nomes da inteligência.

 

A Árvore de Natal



A cidade de Nazaré da Galileia, no tempo do nascimento de Jesus, era uma localidade completamente ignorada. Não é citada nos escritos do Antigo Testamento, nem do historiador antigo Flávio Josefo, nem sequer no Talmude. Ignora-se a data exacta do seu nascimento, mas sabe-se que foi no reinado de Augusto, cerca do ano 750 da fundação de Roma.

Alguns historiadores do começo da nossa era referem-se ao seu nascimento como tendo ocorrido numa “caverna”. Só nos evangelhos se mencionam os “estábulos”.

Para os estudiosos do cristianismo esotérico, a palavra “caverna” encerra um simbolismo conhecido: câmara cerimonial (1). Na pré-história já tinha um significado associado ao culto e à hierogamia do nascimento dos deuses - como Júpiter e Juno. Por cima dela está sempre a estrela da iniciação. Hoje, é representada pela estrela flamejante que brilha no tecto do templo. Em regra, é de seis pontas: um duplo triângulo. Mas também é costume usar-se uma estrela de cinco braços como símbolo da divindade — e do Sol, que é a “sua sombra”, o corpo visível do Logos. É o símbolo mais próximo do Criador, o dispensador da vida e de enormes benefícios, tanto para o ser humano como para os outros reinos da Natureza.

 

Foi no Oriente, no início do século IV, que surgiu a festa da Epifania, em 6 de Janeiro e, de imediato, passou ao Ocidente. E em Roma, em 354, surgiu o 25 de Dezembro como festa do Natal, que substituía e cristianizava as festas do “Sol Invictus”, cultuado no Império Romano que, nesta altura do ano, já começa a triunfar sobre o Inverno e a noite. Foi substituído, como motivo de festa, pelo “Sol” espiritual, Jesus.

De facto, na noite de 24 para 25 de Dezembro, à meia-noite, o signo da Virgem encontra-se no horizonte oriental (ascendente) e o Sol inicia a sua marcha para o hemisfério Norte. Nesse momento, as influências espirituais são enormes e a iniciação real é muito mais fácil. Por esse motivo, os antigos conduziam o neófito aos templos de mistérios nessa ocasião e, depois de cerimónias adequadas, “rasgavam--se os véus”.

O Sol Invictus já no século II se relacionava com a divindade. Comprovam-no duas lápides encontradas em Colares, onde se lêem inscrições consagradas ao Sol e à Lua. Numa outra, da mesma época, encontrada próximo de Mérida, em Espanha, registam-se inscrições referindo o Invictus Deus, o Sol Invictus Augustus e Deus Invictus Sol. Inicialmente, estas designações atribuíam-se exclusivamente a Mitra, uma divindade da Pérsia. Na Ásia Menor, Mitra adquiriu traços de Apolo, divindade da luz e do Sol.

Os Romanos, que eram tradicionalmente conservadores, desconfiados e altivos para com os estrangeiros — em especial os orientais de quem se consideravam superiores — tiveram dificuldade em aceitar os cultos e mistérios da Ásia e do Egipto. Mas tal aceitação foi inevitável. Alexandre Severo honrava igualmente, em sua casa, os seus deuses domésticos, Abraão, Jesus e Orfeu. Deste modo nasceu o sincretismo religioso romano, que culminou na instituição da adoração ao Sol pelo imperador Aureliano (270-275 d.C.). O significado simbólico deste movimento não se perdeu uma vez que, no século IV, as festas do solstício de Inverno, associadas aos cultos da vegetação e dos mortos, foram escolhidas para celebração do “Sol da Justiça”. Diz o Venerável Beda (De Mensibus Anglorum, 725 d. C.) que a coincidência temporal da consoada com a tradição da festa dos povos germânicos associada ao solstício de Inverno, tornou compreensível a associação entre ideias e costumes do culto da vegetação e dos mortos com as práticas geralmente observadas nas celebrações do Natal.

Ainda na nossa infância falava-se do Natal como festa que consagrava, na mesa da ceia, o espírito da família presente nos vivos e na evocação dos mortos queridos. Tal facto permite aceitar a origem desta prática numa cerimónia mais antiga e relacionada no culto dos mortos que ocorria na mesma altura do ano (2).

Repetida há séculos, mas sempre nova, a festa do Natal é a mais bonita do ano. Tem enorme fascínio. Cada país comemora-o de maneira um pouco diferente e segundo as suas tradições.  A árvore de Natal nem sempre foi utilizada com o habitual colorido. O seu uso tem origem, como iremos ver, em certos ritos com os quais, um pouco por toda a parte, se celebrava o acontecimento cósmico que é o solstício de Inverno.

No Norte da Europa, os antigos germanos assinalavam este período decorando as suas casas com ramos de pinheiro, como se procurassem espantar o Inverno e apressar a Primavera seguinte. Em 1500 já se utilizava o pinheiro regularmente decorado com velas. Mas no século XVII a Igreja considerou esta prática excessivamente profana e proibiu-a.

Mais tarde, a preocupação pastoral levou à cristianização de outra tradição germânica, também ela associada a Odin (Wotan), o “Pai-de-Todos” e o deus-chefe do panteão escandinavo. Durante a festa de Jul (Yul), que durava 12 dias após o solstício de Inverno, trocavam-se presentes — constituídos sobretudo por frutos e outros produtos da última colheita do ano.  E como na mentalidade comum popular predomina a dimensão imediatista, também ela foi considerada legítima para efeitos didácticos atribuindo-se a São Nicolau a tarefa de distribuir presentes pelas crianças segundo o seu mérito.

São Nicolau foi substituído pelo Pai Natal, figura que hoje é praticamente inseparável da árvore do Natal (3).

Vamos analisar com a necessária brevidade, a origem deste símbolo da vida em perpétua evolução ainda que não seja objecto de culto.

Quando o ego ainda não está preparado, apenas os símbolos lhe permitem compreender o que é transcendente. Facilitam-lhe a compreensão de certos assuntos. Deste modo, ajudam a despertar a consciência humana para temas de natureza transcendente, como aqueles que se relacionam com a evolução do espírito. Uma árvore qualquer serve para simbolizar o carácter cíclico da vida cósmica, a morte e o renascimento. Sobretudo as mais frondosas e de folha caduca, porque, ao despojarem-se e cobrirem-se todos os anos de folhas, evocam facilmente o ciclo de morte e regeneração. Até mesmo para os apressados citadinos a árvore assinala o drama que se desenrola no inconsciente e interessa conhecer para integridade da sua vida espiritual.

Mas porque é que a árvore se relaciona com o mistério da vida cósmica? Porque a fertilidade universal está relacionada com a vida omnipresente. A vida física não surge do nada, mas, pelo contrário, ela vem de alguma parte que não é do mundo físico. E, depois, retira-se para o além, inacessível à consciência da maior parte dos vivos.  Portanto, a vida humana é precedida de uma outra existência e prolonga-se para além da morte. Tudo isto é compreensivelmente perceptível nos ritmos cósmicos. Só nos resta, portanto, prestar atenção e decifrá-los. E sendo o cosmo um organismo vivo, que se renova periodicamente, o mistério da aparição da vida desvenda-se através do desabrochar rítmico da Natureza. É por esta razão que o cosmo foi imaginado como se fosse uma grande árvore, sendo, ao mesmo tempo, o símbolo da vida, da juventude, da imortalidade e da sapiência. Basta-nos recordar o freixo da mitologia germânica, chamado Iggdrasil que, para Mircea Eliade, é “a árvore cósmica por excelência”. Está no centro da espiritualidade nórdica como símbolo do cosmo vivo e da união entre os diversos níveis ou planos de existência. Para uns, esta árvore seria um freixo.  Para outros, especialmente na Dinamarca e Suécia, um teixo, ou ainda, na Alemanha, um carvalho. Recorde-se também as árvores da vida e do conhecimento do bem e do mal do Antigo Testamento (Gen 2,9), etc.

 

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Yggdrasill, um teixo, é a “Árvore do Mundo” considerada o Cosmo vivo e o pilar-eixo da cosmogonia escandinava em redor do qual se repartiam três (ou nove, 3x3) mundos
   
No cristianismo, a associação da árvore com a manifestação divina está continuamente presente pela analogia entre a árvore da primeira aliança, do Génesis, e a árvore da cruz, ou da Nova Aliança (Heb, 8), erguida numa montanha: a cruz, instrumento de suplício e símbolo de redenção, reúne numa única imagem os dois significados deste significante maior que é a árvore: per crucem ad lucem: pela cruz até à luz.

É por isso que os contos que narram a busca da imortalidade — ou a preparação para a iniciação, que é o conhecimento da vida — estão sempre associados a uma árvore situada num país longínquo (na verdade, o mundo do espírito). A sua descoberta implica, portanto, uma experiência espiritual. Estas árvores são quase sempre de frutos de ouro e de folhas miraculosas.

O solstício de Inverno assinala a “ressurreição” iminente do reino vegetal, a “passagem” para uma nova vida e o nascer do Salvador. Por esta razão, a árvore está associada à celebração anual do nascimento do Salvador.

Não foi apenas no Norte da Europa que se usou o simbolismo da árvore. Também os latinos, com as suas matas enormes, davam especial importância a certas espécies vegetais. O carvalho veio a ser a árvore de Júpiter, o loureiro de Apolo; a oliveira de Minerva; o mirto de Vénus, etc. Entre nós, também os bosques ricos em árvores seculares infundem respeito e mistério. Aras antigas, usadas pelos povos da Lusitânia, ostentam ramos de árvores sagradas como se vê no museu de Guimarães.
 

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A Árvore da Vida segundo a tradição mística do judaísmo.  É possível interpretar o seu conteúdo sob vários critérios:  o vertical, o horizontal, o ascendente e o descendente.
No sentido descendente, a Árvore da Vida constitui o trajecto através do qual o poder criador actuou no acto da Criação: é o movimento de involução em direcção à matéria
 

Agora, o homem moderno já não tem medo dos deuses. Todavia, os mitos celestes conservam todo o seu simbolismo e sustentam variadíssimos ritos, como o da árvore cósmica.

Na realidade, estes símbolos transmitem a sua mensagem mesmo quando já não são compreendidas conscientemente na sua totalidade.

Todos aqueles que dedicam uma parte das suas vidas ao estudo destes assuntos compreendem melhor a razão de ser do simbolismo. E em vez de se maravilharem com o seu uso, vão directamente ao significado que encerram.

E como neste período do ano os impulsos espirituais são muitíssimo mais intensos, não perdem tempo e procuram despertar, rapidamente, no seu coração, o cristo interno, em vez de se limitarem a actos de adoração como simples formalidade rotineira e esperar, pacientemente, pelo ano seguinte para se deliciarem de novo com tudo o que a quadra natalícia lhes proporciona.

 

Francisco Marques Rodrigues
Revista Rosacruz Nº 454
Outubro, Novembro e Dezembro de 2024.



(1) Recorde-se, a propósito, A Alegoria da Caverna, de Platão, precedida por dois textos que a preparam: Analogia do Sol (507b) e o Símile da Linha Dividida (509e). Cf. A República, VII (514a). W. C. K. C. Cuthrie considera que, no essencial, A República não é uma peça de teoria política, mas sim uma alegoria do espírito humano individual. N. da R.

(2) Noutros tempos, nas festas dos Santos e dos Fiéis (1 e 2 de Novembro), nos cemitérios do Porto, celebravam-se refeições sobre as campas, em que os vivos ofertavam aos  seus antepassados, e com eles partilhavam, as primícias do ano: castanhas e o vinho novo. As Constituições do Bispado do Porto também se referem a tais ‘manducações sobre as sepulturas’ e decretam a proibição dos festins fúnebres nos templos”. Cf. Doçuras e Travessuras, in Revista Rosacruz nº 435, Janeiro-Março de 2020, pp 19-22, N. da R.

(3)  Em Portugal, São Nicolau é o padroeiro dos estudantes. É celebrado nas Festas Nicolinas, na cidade de Guimarães, entre 29 de Novembro e 6 de Dezembro.  A primeira referência a estas celebrações remonta ao ano de 1664. Em 2003 a UNESCO considerou-as “Património Oral e Imaterial da Humanidade”. N. da R.

 

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